Por meio dos seus personagens, o mundo inteiro ouviu falar da Bahia. Jorge Amado, que hoje (30) completaria 95 anos, foi quem, na voz de gente como Gabriela, Balduíno, Quincas Berro D´Água e tantos outros por ele criados, se fez mensageiro de uma história rica de cultura e contradições sociais. Trinta e duas obras, traduzidas em 49 idiomas, revelaram ao mundo uma realidade que permanece atual. Prostitutas, malandros, políticos aristocratas ou barões do cacau, todos mostraram aos 55 países onde os livros foram publicados o retrato de parte importante desta memória.
Reconhecido por seu talento, o escritor, que chegou a ser exilado pela sua militância no comunismo, tem até hoje a imagem associada à divulgação da Bahia no exterior. “Foram seus livros que fizeram personagens e cenários como o Pelourinho, em Salvador, as fazendas de cacau de Ilhéus, os povoados de pescadores e muitos outros passarem a integrar o imaginário de gente do mundo inteiro, gerando curiosidade e quem sabe quantos visitantes”, considerou a presidente da Empresa de Turismo do Estado da Bahia (Bahiatursa), Emília Salvador Silva.
O escritor registrou sua opinião a respeito em entrevista concedida aos Cadernos de Literatura Brasileira: “Acho que o leitor estrangeiro quer conhecer o Brasil e os brasileiros. Fico muito satisfeito com as dezenas de traduções, mas sem que isso me leve a pensar que eu tenha uma determinada importância. Eu sempre temo exagerar o valor dessas coisas e chegar a uma falsa impressão a respeito de mim mesmo”.
Para homenagear esse imortal que ocupou a cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras, nesta quinta-feira (30), o Bataclan, famoso cabaré ilheense onde imperavam os barões do cacau, coronéis e belas damas da noite, renasce no foyer do Teatro Castro Alves (TCA), a partir das 20h. Para Emília, a homenagem a Jorge Amado é ainda um reconhecimento por tudo que ele fez pelo turismo da Bahia, ao longo da vida e de tantos livros.
O evento marcará também o 39º aniversário da Bahiatursa e os 19 anos de existência do Balé Folclórico da Bahia, que presenteia o público, a partir das 21h, com uma apresentação do espetáculo Bahia de todas as cores, o primeiro de sua trajetória e que ainda hoje está em cartaz.

Reconhecimento

Só no Brasil, já foram vendidos mais de 20 milhões de exemplares de suas obras, dentre as quais, 25 romances, dois livros de memórias, duas biografias – a do poeta Castro Alves e a do comunista Luís Carlos Prestes –, duas histórias infantis e uma infinidade de outros trabalhos, entre contos, crônicas e poesias. O reconhecimento veio por meio de títulos e prêmios. Foi eleito, em 6 de abril de 1961, para a cadeira de número 23 da Academia Brasileira de Letras, que tem por patrono José de Alencar e por primeiro ocupante Machado de Assis.
Seus livros foram adaptados para todos os formatos das artes cênicas, cinema, teatro e TV. Inspiraram músicas de grandes compositores brasileiros. Os cegos puderam tatear e ouvir histórias passadas em território baiano e publicadas em braile ou gravadas em fitas de áudio.
Dentre os principais prêmios, destacam-se: Stalin da Paz (União Soviética, 1951), Latinidade (França, 1971), Nonino (Itália, 1982), Dimitrov (Bulgária, 1989), Pablo Neruda (Rússia, 1989), Etruria de Literatura (Itália, 1989), Cino del Duca (França, 1990), Mediterrâneo (Itália, 1990), Vitaliano Brancatti (Itália, 1995), Luís de Camões (Brasil-Portugal, 1995), Jabuti (Brasil, 1959, 1997) e Ministério da Cultura (Brasil, 1997).
Recebeu títulos de Comendador e de Grande Oficial, nas ordens da Argentina, do Chile, da Espanha, da França, de Portugal e da Venezuela, além de ter sido feito doutor honoris causa por dez universidades, no Brasil, na Itália, em Israel, na França e em Portugal.
Jorge Amado orgulhava-se do título de Oba Olorun concedido por mãe Stella, do Ilê Axé Opó Afonjá. O título de doutor pela Sorbonne, na França, foi o último que recebeu pessoalmente, em 1998, em sua derradeira viagem a Paris, quando já estava doente.

Sucesso popular

Em 1931, ano em que O País do Carnaval saiu pela Editora Schmidt e com tiragem de mil exemplares, Jorge Amado começou a experimentar o que se tornaria comum em toda a sua trajetória de romancista: o sucesso popular. Esse é considerado seu primeiro romance.
Sua obra inclui romances como Mar Morto (1936), um retrato mágico da vida arriscada dos pescadores, saveiristas e canoeiros do litoral nordestino e da magia que o mar exerce no controle da vida e no descontrole da morte; ou Cacau (1933), que descreve sem estilo ou estética a vida; ou ainda Tenda dos Milagres (1969) que revela o mundo mágico dos cultos afro-brasileiros.
“Nenhum escritor brasileiro criou um universo tão sintonizado com o imaginário de seu povo e do país”, resumiu o autor cubano Severo Sarduy, que foi um dos incontáveis amigos de Jorge que freqüentavam a casa do Rio Vermelho. Muitos outros faziam uma verdadeira procissão até a casa onde o escritor viveu por muitos anos no boêmio bairro da capital baiana.
Estavam entre eles inúmeros escritores, jornalistas e artistas, entre outras personalidades nacionais e internacionais, que foram em busca de um dedo de prosa. Gente como Nicolás Guillén, Pablo Neruda, Paul Éluard, Jean Paul Sartre e Simone Beauvoir, e uma legião de brasileiro.

Pequena biografia

Jorge Amado nasceu em 1912, na Fazenda Auricídia, Vila de Ferradas, município de Itabuna, no Sul da Bahia. Casou-se com Zélia Gattai, também escritora, com quem teve dois filhos: João Jorge, sociólogo e autor de peças de teatro infantil, e a psicóloga Paloma, casada com o arquiteto Pedro Costa. O escritor era irmão do médico neuropediatra Joelson Amado e do escritor James Amado.
Formou-se aos 24 anos pela Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro, em 1935. Militante comunista, foi obrigado a exilar-se na Argentina e no Uruguai entre 1941 e 1942, período em que fez longa viagem pela América Latina.
De vida agitada e fortes convicções políticas, em 1945, é eleito deputado federal pelo Estado de São Paulo, tendo participação na Assembléia Constituinte de 1946 pelo Partido Comunista Brasileiro e da primeira Câmara Federal para o Estado Novo. Foi responsável por várias leis que beneficiaram a cultura. Viveu exilado na Argentina e Uruguai (1941-42), em Paris (1948-50) e em Praga (1951-52), morou na Tchecoslováquia, onde nasceu sua filha Paloma. O escritor baiano morreu em Salvador, no dia 6 de agosto de 2001. Foi cremado e suas cinzas foram depositadas no jardim de sua residência, na Rua Alagoinhas, em 10 de agosto, dia em que completaria 89 anos.