A Auditoria Geral do Estado (AGE) acaba de concluir o primeiro relatório da primeira fase dos exames de auditoria realizados na Empresa Baiana de Alimentos (Ebal), em especial nos contratos firmados com a Livraria Cultura e a Organização do Auxílio Fraterno (OAF). Os exames revelaram uma série de irregularidades nos contratos. Fraudes como pagamentos indevidos, superfaturados e duplicados, deficiência nos controles, intermediação ilegal de transações com empresas sem contrato, burla a processo licitatório e serviços faturados sem comprovação de sua efetiva realização foram detectadas.

No documento, a antiga gestão da Ebal é classificada de temerária e além de todas as irregularidades verificadas, ainda existe uma situação pré-falimentar na empresa, com prejuízos crescentes e acumulados de R$ 620,7 milhões. Só em 2006, o rombo foi de R$ 305,1 milhões, sendo que, entre os anos de 2002 e 2006, houve aporte do Tesouro Estadual na Empresa Baiana de Alimentos de R$ 310,9 milhões.

O relatório será encaminhado para o Ministério Público, Tribunal de Contas e Procuradoria Geral do Estado, além dos membros da Comissão Parlamentar de Inquérito instalada na Assembléia Legislativa. “A AGE recomenda a imediata rescisão do contrato com a Cultura e a apuração mais rápida possível pelas instâncias competentes de todos os fatos descritos no relatório”, afirma a auditora geral do Estado, Mirian Tereza Guerreiro de Freitas.

Relatórios anteriores da própria AGE já haviam identificado problemas como a aquisição de mercadorias para revenda em valores acima dos de mercado, irregularidades nas despesas com frete, excesso de pessoal em cargos comissionados e de horas extras e contratação irregular de cooperativa.

Os exames de auditoria relativos ao contrato de outubro de 2003 firmado com a OAF, contratada para realizar trabalho de manutenção e reparos nos prédios da Ebal na Capital e Região Metropolitana de Salvador, revelaram uma lista quase interminável de ilegalidades no referido contrato e nos pagamentos realizados a favor da ONG.

Previsto para ter um valor mensal de R$ 100.323,04, o contrato foi aumentado, em outubro de 2005, para R$ 240.429,53, o que no final de 2006 totalizou investimento de mais de R$ 40 milhões. Cláusula que estabelecia a proibição de subcontratações foi desrespeitada o que leva ao envolvimento de mais empresas nas fraudes.

Uma das irregularidades está no motivo da dispensa da licitação, ao utilizar-se o argumento de que se tratava de uma organização sem fins lucrativos e de caráter filantrópico. A Ebal também contratou locação de mão-de-obra para a empresa e o Nossa Sopa e utilizou o acordo para pagar de maneira errada variados bens e serviços, sem que exista nenhuma comprovação de que essa aquisição de fato foi realizada.

Houve ainda, no que se refere às fraudes na contratação de mão-de-obra, aumento do quantitativo de pessoal e do valor contratado em percentuais acima do permitido pela Lei, com incremento de 140%. Ou seja, do montante de R$ 8.870.950,03, mais de R$ 4,6 estavam acima do limite legal.  Esses funcionários eram subordinados diretamente a chefias da Ebal, caracterizando relação empregatícia irregular e passível de ações. O pagamento de horas extras em excesso e o fornecimento de vales transportes em quantidade elevada e sem comprovação de recebimento também foram autorizados pela gerência da própria empresa.

Empresas “quarteirizadas”

No documento, as empresas subcontratadas pela OAF para realizar serviços diversos (reparo de móveis, compra de materiais, serviços de engenharia, entre outros) são chamadas de “quarteirizadas”, de modo a caracterizar uma relação firmada sem processo licitatório e sem amparo no contrato. Essas empresas emitiam notas fiscais para a OAF que por sua vez emitia novas notas para a Ebal, só que com um detalhe: ao valor faturado era acrescido um percentual de 5%. Nessas notas também não está descrito de forma clara a que se referia a despesa, e quando se tratava de uma reforma ou manutenção, nem mesmo o local onde o serviço havia sido realizado era mencionado.

Só com essas despesas foram gastos, de outubro de 2003 a dezembro de 2006, mais de R$ 31 milhões, sendo que desse total R$ 1,5 milhão foi pago indevidamente por conta da intermediação financeira. No relatório está escrito que as subcontratações efetuadas pela OAF eram realizadas a pedido da própria Ebal, o que, segundo o documento, torna evidente a responsabilidade direta de seus gestores.

Duas empresas, das que foram até agora examinadas pela AGE, são de forma destacada as que mais se beneficiaram na relação Ebal/OAF. A Comasa Construções Ltda, que recebeu R$ 17,5 milhões ou 58% do total pago, e a Silveira Empreendimentos e Participações Ltda, com R$ 7,1 milhões ou 24% do montante.

Os sócios da Comasa podem ter sido usados como “laranjas” no esquema, já que não apresentaram capacidade financeira para integralizar o capital da empresa. Até mesmo as fornecedoras da Construtora apresentaram irregularidades como notas fiscais inidôneas – divergências entre os valores registrados nas vias – e faturamento de mercadorias sem comprovação de entrega. Só a quantidade de cimento adquirida pela empresa junto à sua principal fornecedora na época, a Nova Esperança Transportes e Comércio Ltda., daria para construir, como aponta o relatório, 837.662 m? de paredes com revestimentos dos dois lados.

A Silveira Empreendimentos, segunda maior beneficiada, prestou serviços principalmente ao Nossa Sopa e mesmo com a totalização do valor das notas fiscais emitidas- R$ 2,3 mi -, não se chega nem a metade do total pago à empresa, que foi de R$ 7,1 milhões, representando forte indício de pagamento por serviços não prestados. Assim como a OAF, a Silveira Empreendimentos também acrescentava “comissão” sobre o valor dos bens e serviços cobrados a ela por suas fornecedoras, só que em um percentual bem mais generoso: 54%.

Livraria Cultura

A Livraria Cultura, de acordo com o contrato 066/03, era responsável pelo fornecimento de latas litografadas para acondicionamento de sopa. Os exames de auditoria feitos nesse contrato apontam indícios de favorecimento da Cultura na fase de habilitação do processo licitatório, já que a empresa não comprovou a sua regularidade fiscal e apresentou atestados de capacidade técnica inidôneos. Uma suposta quebra de equilíbrio econômico-financeiro também possibilitou reajustes indevidos no valor do acordo.

Além disso, a AGE detectou que as aquisições das latas litografadas causaram prejuízo para a Ebal de quase R$ 2,5 milhões. “No período do contrato, essas latas poderiam ter sido adquiridas por um preço bem mais baixo diretamente do fabricante. Por essas e outras razões, fica claro que a gestão administrativo-financeira da Ebal foi desidiosa e repleta de irregularidades”, afirma a auditora geral do Estado.