Depois de quase meio século da contaminação por resíduos de metais pesados, que já provocou 269 mortes e afetou a saúde de um grande número de pessoas, foi dado o primeiro passo para descontaminar o solo poluído pela antiga Companhia Brasileira de Chumbo (Cobrac), em Santo Amaro, no Recôncavo baiano. O Centro de Recursos Ambientais (CRA) concedeu licença para a implantação e operação no local à fábrica Bolland do Brasil, que vai atuar no tratamento dos resíduos de metais deixados depois do fechamento da empresa francesa.

Estudos recentes feitos na área da antiga Cobrac comprovaram que no local ainda estão acumuladas 140 mil toneladas de escória de cádmio, chumbo e mercúrio. O tratamento desse lixo tóxico, com a instalação da unidade industrial em Santo Amaro, é resultado de um acordo entre o Governo do Estado, através da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti), e a Bolland, que poderá tratar até 50 mil toneladas dos metais por ano.

O presidente Associação das Vítimas da Contaminação de Chumbo, Cádmio, Mercúrio e outros elementos químicos (Avicca), uma ONG ambiental criada em 2003 para liderar a luta das famílias contaminas pela Cobrac, Adailton Pereira Moura, também contaminado pelas substâncias tóxicas, considerou “uma boa notícia” a concessão da licença ambiental do CRA, para o tratamento do que define como “pó da morte”. “O nosso esforço de anos começa a ser recompensado”, diz.

De acordo com o gerente de operações da Bolland do Brasil, Diego Shegaray, ainda não existe um cronograma definitivo para o início dos trabalhos. “A licença foi a primeira conquista. A partir daí é que vamos começar a pensar no cronograma de instalação e de operação, mas é importante lembrar que a empresa vai operar com processo de química fechada, sem qualquer risco para o meio ambiente ou para os moradores da cidade”, informou.

Abortos e má formação fetal

Com a instalação da Cobrac, em 1960, os danos causados ao meio ambiente tiveram como conseqüência a contaminação da população santamarense, especialmente os ex-trabalhadores da fábrica e moradores do seu entorno. A população e ex-funcionários, então, conheceram o saturnismo, uma doença que afina os braços, paralisa as mãos, provoca dores agudas, causa impotência sexual nos homens e aborto e má formação fetal nas mulheres. Por causa do excesso de metais na água e no solo, outras doenças também foram identificadas como anemia, câncer de pulmão, lesões renais, hipertensão arterial, doenças cérebro-vasculares e alterações psicomotoras. O quadro ainda torna-se mais trágico para as crianças, principalmente as mais jovens, que pelo fato de engatinharem têm mais íntimo contato com o solo contaminado.

No mês de abril, estiveram reunidos na Prefeitura de Santo Amaro representantes do Estado, da Universidade Federal da Bahia (Ufba), das secretarias de Saúde e Meio Ambiente de Santo Amaro, Ministério Público e Avicca. Na ocasião, a Bolland apresentou ao governo, município e sociedade civil representada a sua proposta tecnológica para solucionar o problema e explicou sobre a metodologia que vai ser utilizada para a descontaminação, processo que deve custar cerca de US$ 20 milhões.

Além da ação que realiza junto com a Bolland do Brasil, o Governo está atuando em outras frentes para tentar minimizar as conseqüências do desastre ecológico. “São ações em diversas áreas como a de saúde, com o apoio na realização contínua de consultas, exames médicos e acompanhamento dos ex-trabalhadores da fábrica” diz Nolita Narciso, coordenadora de Meio Ambiente da Secti.  Nos próximos meses, uma ação desenvolvida pela Secti e a Secretaria de Educação (SEC) pretende capacitar professores da cidade para a educação ambiental e realizar o trabalho de sensibilização e informação da comunidade sobre a instalação da Bolland do Brasil na área da antiga fábrica. Uma outra ação do governo é a concessão de recursos para a aquisição de equipamentos médico-hospitalar para utilização na cidade.

De acordo com o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado, Ildes Ferreira, “só agora, depois de mais de quarenta anos, um governo se preocupa com o problema social e ambiental de Santo Amaro. Em apenas cinco meses de gestão colocamos como uma de nossas prioridades purificar a cidade e minimizar os efeitos da contaminação”.

Histórico do desastre

Durante 33 anos de operação (1960-1993), a Cobrac, subsidiária da empresa francesa Penarroya Oxide S.A., uma das líderes mundiais na produção de óxidos de chumbo, produziu e comercializou cerca de 900 mil toneladas de liga de chumbo. Em pouco mais de três décadas, gerou um passivo ambiental de milhões de toneladas de rejeito e cerca de 300 mil toneladas de escória com estimados 3% de concentração de chumbo. Valores estimados em 2002, pelos preços do mercado mundial, atingiram US$ 450 milhões de faturamento no período.

Em 1993, ano em que a empresa encerrou as suas atividades, a escória, resíduo rico em metais pesados, era disposta a céu aberto, ficando exposta à ação do vento e da chuva, resultando na contaminação do solo e das águas. Segundo o presidente da Avicca, muitas mulheres foram contaminadas, ao lavar os uniformes dos familiares que trabalhavam na fábrica, cobertos pela poeira tóxica. 

A área urbana do município também foi afetada a partir do uso indevido da escória, considerada como inócua pela empresa. Cerca de 110 mil toneladas de escória encontram-se espalhadas pela cidade devido ao seu uso na pavimentação de vias públicas, pátios de escolas e pisos de residências

Pouco tempo depois da implantação da usina, produtores rurais reclamaram da morte de gado bovino e eqüino e da perda de produção de hortas. Tal reclamação provocou um processo judicial solicitando o fechamento da fundição por poluir o rio Subaé, que corta o município. O impasse, no entanto, foi resolvido com a compra por parte da usina das áreas de terra mais próximas.