A índia Rosilene Cruz de Araújo, do povo Tuxá de Rodelas, foi nomeada, hoje (30), coordenadora da educação indígena da Secretaria Estadual da Educação (SEC). A medida atende a uma reivindicação antiga dos 12 povos indígenas da Bahia. Também será publicada, nos próximos dias, a nomeação de outros seis índios que ocuparão a coordenação indígena nas Diretorias Regionais de Educação (Direc) em seis municípios que possuem escolas indígenas.

Graduada em história e ciências naturais e pós-graduada em história do Brasil, Rosilene é professora do Colégio Luís Eduardo Magalhães, que atende a índios do ensino fundamental, e Centro de Ensino Superior do Vale do São Francisco (Cesvasf). “Nesse novo governo estamos vendo novas perspectivas de transformar antigos paradigmas. Esperamos atender às necessidades das escolas indígenas, principalmente no que diz respeito à permanência dos professores nas escolas, a oferta do ensino superior e a formação dos professores no magistério indígena”, afirmou.

O novo cargo levará Rosilene a deixar sua tribo, no município de Rodelas, norte do estado, para viver em Salvador. Antes de partir, ela se reunirá com seu povo para fazer um Toré em agradecimento ao Deus Tupã pela nova conquista.

De acordo com o secretário Adeum Sauer, a SEC acatou a reivindicação dos índios por entender que é a melhor forma de se construir uma política educacional, com o olhar que vem de dentro. “Depois de avaliarmos o currículo constatamos que a pessoa estava apta para assumir a função”, disse Sauer.

A nomeação de Roseli é uma das conquistas obtidas pelos índios no primeiro encontro deste ano do Fórum Estadual de Educação Indígena, realizado no Instituto Anísio Teixeira (IAT), ontem (29) e hoje, tendo como eixos norteadores uma educação diferenciada, específica e de qualidade. Os índios redigiram um documento que irá contribuir para a composição da concepção do programa de educação do Governo Bahia Terra de Todos Nós.

Realizado através de uma parceria do Fórum com a SEC, o evento também foi palco de lançamento do livro didático Tuxá Ibotiram: vida e cultura do nosso povo, que foi criado pelos próprios professores indígenas da etnia durante o processo de formação indígena ofertado pela SEC. “A secretaria apóia todas as propostas de afirmação da identidade indígena. Consideramos que a educação tem um papel importante na preservação dessa cultura”, considerou o secretário.

O Fórum foi criado no final da década de 90, com o objetivo de realizar discussões periódicas sobre as políticas públicas para a educação indígena e fazer o acompanhamento e controle social dessas políticas. Durante todo esse período a SEC vem atuando como parceira através de contribuições conceituais, acadêmica e financeira. A proposta do fórum é conduzir idéias e políticas pertinentes a educação escolar indígena.

Trabalho diferenciado nas aldeias

Há 23 anos trabalhando como professora na aldeia Caramuru, do povo Pataxó Hã Hã Hãe, a índia Maria José Muniz de Andrade, mais conhecida como Maia, diz que é um avanço poder apresentar uma proposta de educação indígena para o governo. “Esse é um espaço para discutirmos o modelo de educação que nós queremos para podermos fazer um trabalho diferenciado dentro das aldeias e influenciar na criação das políticas públicas”, opina.

Para o índio Pataxó Jerry Matalawê, que atualmente ocupa a coordenação executiva de políticas para os povos indígenas na Superintendência de Apoio aos Direitos Humanos da Secretaria Estadual de Justiça, o fórum é uma oportunidade de reconhecimento da diversidade cultural do mundo indígena.

“O fórum é uma forma de fortalecimento do diálogo da sociedade não indígena com os índios. Um momento de se abraçar e compreender o outro. No momento em que a sociedade passa a se reconhecer no outro, no sentido da diversidade, passa a construir uma relação de respeito”, diz Matalawê. Embora considere o fórum um espaço democrático, ele diz que toda essa mobilização ainda não conseguiu efetivar todas as políticas que defendem.

Existem, na Bahia, 57 escolas indígenas que atendem a 6.127 alunos de 99 aldeias e 12 diferentes povos. A Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB) defende que a educação indígena deve ser diferenciada e específica. Ela deve ser uma educação intra e inter cultural, que conversa consigo mesmo e com outras culturas.

Segundo a cacique Kátia, do povo Tupinambá de Belmonte, a luta continua por uma educação que ainda está por vir. “O grande problema é que não vemos uma ligação dessa educação diferenciada com a terra, que para o índio é a base de tudo. Espero muito mais dessa educação diferenciada”, pontuou. Já o secretário do fórum, Sadraque Pataxó, considera que este é o início de uma nova era para a educação escolar indígena. “Tenho boas perspectivas de que iremos viver uma nova fase marcante na história da Bahia. Mas não adianta fazermos propostas isoladas. É fundamental que todos construam uma idéia para que possamos formalizá-la em busca dos nossos objetivos”, afirmou.

Um outro aspecto defendido pelos indígenas é que a produção de conhecimento dentro da aldeia também deve ter o mesmo valor que o conhecimento historicamente construído pela humanidade. “Não se pode supervalorizar o conhecimento formal, o considerando maior ou melhor que o produzido pelos povos indígenas. A educação indígena é bilíngüe, multilingüe e deve pensar o currículo da dimensão do multi-referencial. Nosso grande desafio é chegar a este conceito”, avalia a coordenadora de Educação Indígena da SEC, Suzana Martins.