Cássia Machado
Redação/Agecom

Salvar vidas. Esta é a vontade de quem toma a atitude que o vigilante Raimundo dos Anjos e sua mulher, a dona-de-casa Antônia dos Santos, tomaram. Eles perderam a única filha, Jamile, de nove anos de idade, há apenas um mês e doaram seus órgãos. A menina nasceu com hidrocefalia, um problema grave na caixa craniana que mesmo com uma cirurgia não foi resolvido, e a criança teve morte encefálica.
Segundo dona Antônia, o momento mais difícil foi quando eles tiveram que tomar a decisão de doar os órgãos de Jamile. “Eu entrei na UTI, a vi sentadinha na cama e pensei em tanta gente precisando de um órgão. A maior decisão era nossa, mas pedimos a opinião de nossos parentes e amigos, e todos concordaram”, afirmou.
Seu Raimundo também concorda que esta foi a melhor decisão que eles poderiam tomar. “A chance dela era mínima. Então, achamos melhor tentar salvar outras pessoas”, disse. Os órgãos doados pelos pais de Jamile salvaram a vida de oito pessoas, o que reafirmou a certeza da decisão do casal. “É um conforto saber que, mesmo não estando mais com a gente, ela ajudou os outros”, destacou dona Antônia.
Perto da Semana Nacional de Incentivo à Doação de Órgãos, comemorada no final deste mês, a discussão sobre o assunto polêmico, principalmente em algumas religiões, continua. O dia 27 de setembro (Dia de São Cosme e Damião) é considerado o Dia da Doação de Órgãos.
Segundo a crença religiosa, é atribuída aos santos tidos como protetores dos cirurgiões a realização do primeiro transplante. Amanhã (22), acontece um encontro ecumênico no Farol da Barra que vai reunir representantes de diversas religiões para esclarecer dúvidas sobre o tema e iniciar a campanha para a Semana Nacional de Incentivo à Doação de Órgãos.
Durante toda a semana, serão realizados seminários e palestras com representantes da área de saúde do Estado sobre o tema.

Interiorização

A Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO) informou que na Bahia, nos primeiros nove meses deste ano, foram feitas 25 doações de múltiplos órgãos e realizados 181 transplantes – 106 foram de córnea, 20 de fígado, 45 de rim e 10 de medula. Houve um aumento no número de doações, principalmente no que se refere à córnea.
O coordenador do Sistema Estadual de Transplantes, Eraldo Moura, afirmou que esse aumento se deve às medidas adotadas pela Secretaria da Saúde do Estado (Sesab) para impulsionar as atividades de doação e captação de órgãos. “A Bahia é muito grande. Além da negativa familiar, o estado tem problemas de logística, o que dificulta as doações e os transplantes”, explicou.
Dentre as ações desenvolvidas pela Sesab, estão a implantação de modelos educacionais nas universidades e comunidades, o programa de estágio para estudantes de Medicina nos hospitais e universidades e o intercâmbio com outros estados.
Outro ponto importante é a interiorização dos transplantes. O Estado prepara os hospitais do interior para receberem doações e realizarem transplantes. Em Itabuna, já foram feitas algumas cirurgias do tipo. Já em Feira de Santana, Vitória da Conquista e Juazeiro, os hospitais estão sendo avaliados e em Porto Seguro e Barreiras serão feitas ações educativas.
Eraldo Moura declarou que, mesmo com o aumento das doações e transplantes, este ano, os números ainda são pequenos para a necessidade real do estado. A negativa familiar, disse, é outro fator que contribui para a falta de doações. Hoje, esse índice é de 62% na Bahia, o que significa uma média de três doadores para cada 1 milhão de habitantes.

Criação de ONG

Para pessoas como Rômulo Correa, 62 anos, que recebeu um transplante de fígado há dois anos por conta de um câncer causado pela hepatite C, esse trabalho de orientação e conscientização da população é muito importante. “Doar é um ato de amor. Todos precisam se conscientizar disso. Eu só estou vivo porque alguém fez uma doação e isso pode acontecer com qualquer pessoa”, disse.
Ele descobriu a doença por acaso, em 1991, fez vários tratamentos, até constatar que precisava de um transplante. Em 2002, se uniu a outras pessoas que tinham o mesmo problema e fundou o Grupo Vontade de Viver, uma organização não-governamental (ONG) que orienta e encaminha quem precisa de tratamento ou transplante.
“Na Bahia, 15% da população tem hepatite C e não sabe, o que corresponde a 200 mil pessoas em todo o estado. É por isso que essas ações são tão importantes”, destacou Rômulo.