Sob a luz do sol, índios das tribos Tuxá, Pankararé, Kiriri, Kaimbé, Pataxó, Truka, Pankaru, Atikum, Kataruré, Xucuru-Kariri e de mais sete etnias do estado dançaram o toré na abertura do Encontro dos Povos Indígenas pelas Águas, promovido pela Superintendência de Recursos Hídricos (SRH).

A dança sagrada e o canto na língua dos antepassados foram uma maneira de saudar parentes (como consideram e chamam uns aos outros) e visitantes, no último sábado (29), em Euclides da Cunha. Mas o ritual, marcado pela força das expressões e movimentos, foi, sobretudo, uma reverência à mãe natureza e uma maneira de pedir sabedoria aos ancestrais em prol dos trabalhos pela conservação e proteção das águas.

Com a autoridade máxima de um cacique e a sabedoria conferida pelos 67 anos de vivência entre os índios da tribo Kiriri, o cacique Lásaro Gonzaga mostrou o sentimento que agregou mais de 300 indígenas no encontro na Bacia do Rio Itapicuru. “A solução, para nós, nessa luta é amar e respeitar a terra, a semente, as árvores, que são nossas irmãs e nos dão alimento, e a água que traz a terra saudável para nós. Temos que amar e respeitar o meio ambiente e a nossa cultura”, disse.

E foi com esse sentimento de irmandade e a sabedoria herdada do convívio respeitoso com a natureza que as etnias representadas no encontro elaboraram a Carta pelas Águas. O documento reúne as demandas dos povos indígenas e será levado, juntamente com as cartas dos demais encontros temáticos com as comunidades tradicionais, à Conferência Estadual de Meio Ambiente, prevista para março de 2008.

Depoimentos

Kâhu Werimehi, que na língua patxóhã significa “amor perfeito”, foi um dos índios da tribo Pataxó de Coroa Vermelha, sul da Bahia, que ajudaram a elaborar a Carta pelas Águas. Ele pintou o rosto de argila e carvão, vestiu o camixá (saia de cipó) e falou das preocupações de sua aldeia com a água. “Passam três rios por nossa aldeia e apenas um é limpo. É de onde tiramos a água para beber e tomar banho. Nosso desejo é que as leis não sejam flexíveis. É preciso punir os que jogam lixo no rio, como hospitais e hotéis”, destacou.

Xohã, que significa “guerreiro”, da aldeia Guaxuma, em Porto Seguro, concorda com o parente. Ele disse que a “miãga, a água, é um bem muito sagrado, é vida, e temos que resgatar ela para a gente ter saúde”.

Maria Iracema, que é chamada de Uiamaiara (“mulher guerreira”), da tribo Kiriri, em Banzaê, sabe das limitações impostas pela escassez da água. Ela contou que o abastecimento de água na aldeia, onde vivem 2 mil índios, é feito por um poço. “Mas a distribuição só acontece duas vezes por semana, e de maneira limitada”, explicou.

Baseada em depoimentos como os de Kâhu, Xohã e Uiamaiara, a Carta dos Povos Indígenas pelas Águas foi construída coletivamente em Euclides da Cunha. No documento, os índios sugerem, entre outras coisas, a preservação e revitalização das matas ciliares, por meio de projetos de pesquisas de matas nativas regionais para a criação de viveiros e outras atividades.

Solicitam que seja garantido assento aos índios nos comitês das bacias hidrográficas da Bahia e a garantia da decisão dos povos indígenas nas deliberações sobre as possíveis construções de barragens que afetem direta ou indiretamente o território indígena. Também pleiteiam apoio a projetos de educação ambiental de acordo com a realidade, a tradição, a cultura e a região de cada povo.

A carta reúne propostas sobre a criação de fóruns indígenas por bacia hidrográfica e sustentabilidade para as comunidades. Eles querem ainda fiscalização dos órgãos ambientais junto aos projetos no entorno dos seus territórios, debates sobre os direitos indígena e ambiental para o desenvolvimento de projetos atentos à biodiversidade de cada território e a realização de programas que incentivem a diminuição do desmatamento nas aldeias.

Compromisso de resgate e inclusão

A elaboração da Carta pelas Águas é apenas uma das ações que marcam, segundo o diretor-geral da SRH, Júlio Rocha, a relação do governo Wagner com os povos indígenas. Ele declarou que a Bahia vive um momento de resgate da autonomia dessas comunidades. “E isso é uma obrigação nossa. Temos que respeitar a cidadania, o espaço, os direitos de cada cidadão indígena, que tem sua língua própria, sua cultura e que ao longo desses 507 anos vem sofrendo com a exclusão”, afirmou.

O diretor disse que o momento é de incluir, de garantir espaços para que os povos indígenas participem efetivamente das políticas públicas. “Neste governo, vamos fortalecer a organização, a luta, a autonomia dos direitos das comunidades indígenas pela água”, ressaltou. Ele anunciou que vai ser formado um conselho para acompanhar a carta, “para que ela se efetive”.