A população de caranguejo-uçá da Bahia deve ser recuperada em três anos. A previsão é da Bahia Pesca, empresa estatal de incentivo à aqüicultura e pesca. Em parceria com o núcleo de pesquisa do Grupo Integrado de Aqüicultura e Estudos Ambientais (GIA), a instituição está desenvolvendo no estado um projeto de repovoamento da espécie, além de ações de conscientização ambiental junto a marisqueiras, catadores, pescadores e comerciantes.

O aparecimento de fungos, ainda em estudos pelos biólogos, e a captura predatória levaram o estado, que já foi o terceiro maior produtor do país (com cerca de 620 toneladas anuais), a ter praticamente dizimada sua população de caranguejo. Há cerca de cinco anos, os comerciantes dos bares de Salvador passaram a importar caranguejo do Pará para manter o costume do litoral nordestino de se degustar o crustáceo na happy hour, após o trabalho, ou no fim de semana, depois de aproveitar um dia de sol na praia.

O preço aumentou: a unidade do caranguejo que era vendida a R$1,50 agora não sai por menos de R$ 3,50. “A gente tem de reduzir a quantidade, exigir um tamanho maior e aproveitar as promoções de caranguejo dobrado nos dias tradicionalmente sem muito movimento nos bares, geralmente no meio da semana”, declarou a representante comercial, Cássia Sidney Oliveira. Como apreciadora da carne do caranguejo, ela torce pelo sucesso do projeto.

“É uma ação prioritária dentro de um plano amplo de programas da Bahia Pesca, justamente pelo caráter socioambiental: mais do que atender ao mercado, o objetivo é preservar a espécie e assegurar renda para as comunidades carentes que vivem da atividade no estado”, ressaltou o presidente da empresa, Aderbal de Castro.

O Puçá começou a ser desenvolvido pela Bahia Pesca em setembro do ano passado, quando foi implantado um laboratório de reprodução do caranguejo-uçá na Fazenda Experimental Oruabo, no município de Santo Amaro, a 71 quilômetros de Salvador. Na unidade de pesquisa da Bahia Pesca, as fêmeas com ovos e as larvas do caranguejo são preservadas em tanques especiais, com a assistência de biólogos, para assegurar a reprodução e o repovoamento da espécie, com a liberação, posterior, em ambiente natural.

Antes mesmo do primeiro ciclo de reprodução do caranguejo após a implantação do projeto, as ações de conscientização realizadas junto à colônia de pescadores e catadores já revelam resultados. Aliada à produção em cativeiro, a ação colocou o estado em quarto lugar no ranking nacional, ficando atrás do Pará, Maranhão e Sergipe.

Antes da Bahia, o projeto Puçá já havia sido implantado como teste no Rio de Janeiro e no Paraná. A iniciativa conta recursos do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza (Funcep), fazendo parte de um plano de oito vertentes da Bahia Pesca para o estímulo a aqüicultura e pesca no estado. A previsão é de que, aproximadamente, 13,5 mil pessoas que vivem da atividade sejam beneficiadas em, pelo menos, 15 municípios.

São eles: Santo Amaro (Povoado de Acupe, onde está instalado o laboratório do projeto), Salvador, Madre de Deus, Candeais, Itaparica, Vera Cruz, Simões Filho, Salinas da Margarida, Jaguaripe, São Francisco do Conde, Cachoeira, Saubara e Maragogipe, na região do Recôncavo/Baía de Todos os Santos; além de Ituberá e Canavieiras, esses últimos na região sul.

Mortandade

As causas da alta mortandade da espécie Ucides Cordatus (caranguejo-uçá) não foi um fato isolado na Bahia. O aparecimento de fungos que quase levaram a dizimação completa da espécie também foi verificado em outros estados, como o Rio Grande do Norte.

“São fungos que vão tornando os caranguejos lentos demais, até culminar com a morte”, explicou a bióloga Kelly Cottens, do Grupo GIA, que trabalha no projeto na Fazenda Oruabo, juntamente com o médico veterinário Robson Ventura e os biólogos e técnicos da Bahia Pesca. Ela acredita que a liberação de esgotos, dentre outros fatores poluentes, nos mangues seja a principal causa do surgimento dos fungos.

Outra ação considerada altamente danosa é a prática da maioria dos catadores de não respeitar o ciclo reprodutivo da espécie. “Eles comercializam até as fêmeas com ovos, além de caranguejos ainda bem pequenos. Hoje, os próprios catadores sentem os impactos depois do quase desaparecimento do caranguejo-uçá”, ressalta a bióloga.

No distrito de Acupe, em Santo Amaro, o catador Fidélis Santana reconhece: “Antes, a gente pegava de 10 a 12 cordas de caranguejo (cada corda com dez); hoje, são duas ou três e, quando aparece um qualquer, eu já pego logo”. Fidélis será um dos catadores beneficiados com as ações de conscientização a serem realizadas pelo Projeto Puçá no local.

O trabalho já começou a ser realizado em parceria com a Colônia de Pesca do Acupe. “Estamos torcendo muito para o sucesso do projeto e vamos contribuir no que for possível para isso porque a mortandade do caranguejo acabou com a forma de sobrevivência de muita gente”, concluiu João Ribeiro, um dos 1.500 associados.