Uma noite cultural e festiva no Teatro Vila Velha funcionou como uma saudável opção de lazer para 100 internos que cumprem pena no Complexo Penitenciário da Mata Escura. Selecionados por bom comportamento, baixa periculosidade e relacionamento amistoso com os colegas e com a chefia, eles tiveram a oportunidade, na última sexta-feira (4), de assistir ao espetáculo de dança Aroeira – Com quantos nós se faz uma árvore, da Companhia Viladança.

Fruto de uma parceria entre o Núcleo de Dança do Vila Velha e a Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH), a iniciativa busca a ressocialização dos detentos, possibilitando o contato com a arte e mostrando que há um mundo a ser descoberto fora das grades. Essa foi a sensação vivida por Renato Silva da Paixão, 42 anos, condenado a três décadas de prisão na Penitenciária Lemos Brito (PLB) por latrocínio (roubo seguido de morte). Lá desde 1996, ele ficou contente com a possibilidade de ir ao teatro pela primeira vez na vida.

Ao se arrumar e vestir roupa nova para ir ao teatro, Renato disse que, até então, só havia saído do presídio para participar de audiências. “Estou indo para um lugar que não conheço, para onde nunca fui em minha vida. Faço uma pequena idéia de como seja um teatro, pois já vi algo parecido na televisão”, disse ele, referindo-se ao aparelho que é hoje a sua única janela para o mundo do lado de fora. Além da TV, Renato, que cumpre pena em regime semi-aberto lê revistas e livros para ter contato com a arte. A Bíblia também está entre suas leituras prediletas.

Na chegada ao local, Renato mostrou-se entusiasmado. Quando o espetáculo começou, ele era um dos mais atentos da primeira fila, numa platéia que reunia também pessoas como Amanda Costa, 23 anos, há um ano e cinco meses cumprindo pena no Conjunto Penal Feminino. Paulista de Ribeirão Preto, ela está na Bahia há dez anos e conta que já teve a oportunidade de ir ao teatro e ao cinema em sua terra natal. Estar ali sendo uma apenada, porém, significou para a jovem algo especial. “É gratificante receber um presente como esse. Sinto que existe uma confiança em mim dentro do presídio e um reconhecimento ao trabalho que eu desenvolvo”, diz Amanda, que trabalha em oficinas de costura na penitenciária.

Na segunda fila do teatro, Amanda dizia que assistir ao espetáculo iria incrementar a sua bagagem cultural. Mãe de dois filhos pequenos, ela gosta de ler romances e livros de ficção. “Meus autores preferidos são Paulo Coelho e Jorge Amado”, falou ela, que arrumou os cabelos, escolheu uma roupa bonita e passou maquiagem especial para a ocasião. Falta apenas um mês para ela deixar o presídio, onde cumpre pena por dois assaltos e um flagrante por porte ilegal de arma.

Seu colega Renato Silva da Paixão também sonha com a liberdade e aguarda por ela realizando atividades laborativas no presídio, atento ao benefício que concede um dia a menos na pena por três dias trabalhados. Mas no teatro, ele esqueceu tudo isso e só prestava atenção nos movimentos dos dançarinos no palco. E não cansava de agradecer a oportunidade de estar ali. “É bom saber que a sociedade ainda pensa em nós”, falou, entusiasmado.

Para Cristina Castro, diretora da Companhia Viladança do Teatro Vila Velha, a oportunidade dada aos detentos é proveitosa para eles e para toda a sociedade. “A dança, a música, o teatro e a arte de modo geral contribuem bastante para a formação moral e intelectual do ser humano. E para nós é muito importante oferecer um pouco do nosso trabalho a essas pessoas, ajudando-as no processo de reintegração ao convívio social”, disse Cristina.

“Atividades como essa mostram que nós não esquecemos que os internos também são cidadãos. E como tal, eles podem e devem manter o contato com a arte nas suas mais diversas manifestações. E a dança é uma delas”, destacou o coronel Francisco Leite, superintendente de Assuntos Penais da SJCDH. A primeira dama e presidente das Voluntárias Sociais, Fátima Mendonça, e o secretário da Cultura, Márcio Meirelles, também estavam no Vila Velha. A noite também reuniu, na platéia, agentes penitenciários e funcionários da SJCDH.