O trabalho de Miguel de Santana, 49 anos, e seus seis filhos depende da maré. Nascidos em Canavieiras, no sul da Bahia, eles esperam as águas do Rio Pardo, que corta a cidade, baixarem para que possam sair em seus barcos percorrendo o extenso manguezal em busca do caranguejo, que, segundo Miguel, está sumindo. “Eu chegava a tirar 30 cordas por dia. Hoje, não tiro 10”. Ele afirmou que já pensou em mudar de profissão.

Para garantir o trabalho de 13,5 mil famílias, como a de Miguel, em 15 municípios (13 na Baía de Todos os Santos), o governador Jaques Wagner lançou nesta terça-feira (22) o Programa Integrado de Manejo e Gerenciamento do Caranguejo-uçá (Puçá). Na ocasião, Wagner inaugurou o Sistema Amplificado de Abastecimento de Água de Era Nova, distrito de Canavieiras, onde moram 550 pessoas.

As associações comunitárias rurais da região também vão ser beneficiadas com quatro tanques de resfriamento de leite, porque o governador autorizou a Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR) a estabelecer convênios com essas associações, beneficiando mais 150 famílias. O investimento é de R$ 111,2 mil, por meio do Programa de Combate à Pobreza Rural da Bahia (Produzir), incluindo 10% de contrapartida das comunidades.

O Puçá promove o repovoamento dos manguezais com larvas de caranguejo produzidas pela Fazenda Oruabo, da Bahia Pesca, em Santo Amaro da Purificação, além de capacitar e conscientizar pescadores, marisqueiras, comerciantes e consumidores. A iniciativa beneficia os que lidam direta e indiretamente com o crustáceo. O investimento ultrapassa R$ 1,2 milhão.

Para Miguel, tanto o repovoamento como a capacitação são importantes. “Quem destrói o caranguejo é o homem”, observou, mostrando uma pequena rede encontrada no mangue e usada para pesca predatória. “Ela é colocada na entrada da toca dos caranguejos, mas mata fêmeas e filhotes”.

O presidente da Colônia de Pescadores Z-20, Renival Fernandes, declarou que os mais de 2 mil profissionais registrados na colônia e em outras associações de Canavieiras estão em dificuldade. “Tínhamos o título de Capital do Caranguejo. Hoje, precisamos importar de outras regiões ou de outros estados”.

Retomada de atividade histórica

Wagner afirmou que o Puçá vai dar condições para a retomada de uma atividade histórica. “Nos interessa preservar o meio ambiente e melhorar a vida de quem se dedica a essa atividade”. Segundo o presidente da Bahia Pesca, Aderbal de Castro, a queda na produção se deu por causa de um fungo que apareceu há cerca de cinco anos. “O repovoamento, associado a outros programas de educação ambiental, vai trazer a atividade de volta ao normal”.

O coordenador do programa na Bahia Pesca, Marcos Rocha, informou que em 1991 a Bahia era o terceiro produtor de caranguejo no país, com 2,1 mil toneladas, mas hoje está na marca de 600 toneladas. “A importação do caranguejo, principalmente do Pará e por meio de caminhão ou avião, encarece o produto. Uma corda, que custava R$ 1,50 há cinco anos, hoje está custando R$ 3,50”.

Para recuperar a produção do estado, Rocha explicou que o laboratório de produção de larvas de caranguejo da Fazenda Oruabo está fornecendo em torno de 2,5 milhões de larvas por ano. “A meta é atingir os 7 milhões. Já fizemos um repovoamento piloto em Santo Amaro e o próximo será aqui, em paralelo com a conscientização dos pescadores”.
Ele disse que o repovoamento começa a ser notado entre três e sete anos, quando os novos caranguejos ficam adultos e começam a se reproduzir. “Mas vai depender ainda do apoio da população. Para isso, a Bahia Pesca vai divulgar as normas de captura e promover capacitação e atividades paralelas, como o artesanato”.

Para o secretário estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Juliano Matos, esta é uma perspectiva inovadora e que mostra que é possível consorciar meio ambiente com desenvolvimento e produtividade. “O controle da espécie, associado ao manejo sustentável, beneficia todo o ecossistema e o resultado para o meio ambiente é muito positivo. Estamos muito otimistas e pretendemos levar a iniciativa para outras regiões do estado”.

Abastecimento de água

A dona-de-casa Gilcélia Oliveira, 28 anos, quatro filhos, disse que estava contente com a inauguração do Sistema Simplificado de Abastecimento de Água em Era Nova. “É importante para eu limpar a casa, cozinhar, lavar roupa. Agora não preciso sair de casa para tomar banho. Antes, eu tinha que ir até o córrego para apanhar água”.

Juraci de Jesus, 45 anos, concorda com Gilcélia e acrescenta outro benefício: a saúde de seus seis filhos. “Água tratada evita doenças. Antes, usávamos a que retirávamos de córregos ou do açude”.

O sistema de abastecimento vai beneficiar 550 habitantes, num investimento de R$ 110 mil, dentro do programa Água para Todos. Ele é composto por um poço tubular com vazão de mais de 4 mil litros/hora. A água é captada por uma bomba submersa e levada por 804 metros de adutora até um reservatório de fibra de vidro com capacidade para armazenar 20 mil litros. Foram assentados ainda 2 mil metros de rede de distribuição com diâmetros variados.

O tratamento da água é feito por desinfecção com sal de cozinha, a partir de uma tecnologia denominada de hidrogerox, um aparelho pequeno, compacto e de fácil manuseio. Esse processo já é aplicado na zona rural do semi-árido baiano.

Segundo o governador, a água de qualidade faz parte do programa do Estado de proporcionar mais condições de vida para a população. “Era Nova é mais uma comunidade a contar com água de qualidade. Nosso objetivo é aumentar esse fornecimento cada vez mais”.