A abertura da exposição Memorial da Biblioteca Pública da Bahia, nesta terça-feira (13), marcou as comemorações pelos 197 anos da instituição. Móveis antigos, documentos e objetos levam o visitante à uma longa viagem na história, que transpassa três séculos.

A porta de madeira de três metros e meio de altura foi tudo o que sobrou do casarão da antiga Praça Rio Branco, hoje a Praça Municipal. Erguido em 1919, pelo governador Antonio Moniz de Aragão, foi a primeira sede própria da Biblioteca Pública da Bahia, a primeira biblioteca pública do Brasil e da América Latina.

O feito, o Plano para o estabelecimento de huma biblioteca pública, foi idealizado pelo coronel Pedro Gomes Ferrão Castellobranco, um senhor de engenho intelectual e viajado, que convenceu o então governador da província da Bahia, Dom Marcos de Noronha e Britto (o VIII conde dos arcos), a assinar o documento de criação, em 13 de maio de 1811. Curiosamente, Pedro Ferrão era o tataravô de Antonio Ferrão Moniz de Aragão, o 13º governador da Bahia, entre 1916 e 1920.

O ato solene, ocorrido no salão nobre dos despachos do palácio sede do governo, atual Palácio Rio Branco, deu início à uma história de peregrinação, tragédia e glamour que dura quase duzentos anos.

Sem local próprio para funcionar, a biblioteca só foi aberta ao público em 4 de agosto de 1811, com um acervo composto por cerca de 3 mil volumes e seis funcionários, num espaço emprestado pela igreja católica, a antiga Livraria dos Jesuítas, na Catedral Basílica. Em 1818, foi elaborado o primeiro catálogo manuscrito, com a relação de 5.787 obras: Catálogo dos Livros que se achão na Livraria Pública da Cidade da Bahia.

O acervo foi-se avolumando e a fama passou a atrair pesquisadores e intelectuais de toda a Europa, como o botânico Karl Von Martius e o imperador Dom Pedro II que, em 1859, relatou em seu diário pessoal de viagem haver visto 16 mil volumes, “com boas obras de jurisprudência mas as mais procuradas são as de medicina”, disse D.Pedro numa alusão à Escola Médico-Cirúrgica, a primeira do Brasil, instalada em Salvador.

“Naquele período, a biblioteca era o eixo cultural de qualquer lugar do mundo e por ali se percebia o grau de civilidade do povo”, esclarece o historiador Francisco Soares.

Doações

A biblioteca funcionou na Catedral Basílica, na freguesia da Sé, até 26 de abril de 1900 quando foi transferida para o andar térreo da Casa do Senado, depois para o prédio onde funcionava o Supremo Tribunal de Justiça, na rua Chile e, finalmente, em outubro, passa a ocupar uma ala do Palácio do Governo (hoje Rio Branco). Foram quatro sedes em apenas um ano.

Desde o seu surgimento, a maior parte do acervo da biblioteca foi constituída de doações, devido aos problemas administrativos e à constante falta de verba, mas nada se compara à tragédia enfrentada pela instituição em 1912, quando um bombardeio de quatro horas, autorizado pelo presidente Hermes da Fonseca, pôs abaixo parte do Palácio e, com ela, 99% dos livros.

Móveis e objetos foram roubados e restaram apenas 300 volumes, resgatados entre as cavalgaduras da cavalaria da 7ª Região Militar. Os tiros de canhão, partidos dos fortes do Barbalho e de São Marcelo, foram motivados por uma intensa briga política, que teve seu ápice com a renúncia do governador Araújo Pinho.

Nove anos e muitas lutas depois, coube ao governador Moniz Aragão, tataraneto do idealizador da Biblioteca Pública da Bahia (Cel. Pedro Ferrão), o processo de reconstrução do acervo e a tarefa de construir a então primeira sede própria, o antigo casarão da Praça Rio Branco, demolido no início dos anos 70, no governo de Antônio Carlos Magalhães.
O espaço ficou famoso por abrigar importantes eventos culturais, como o Salão de Ala das Letras e das Artes, organizado de 1939 a 1946 pelo jornalista e escritor, Carlos Chiacchio, e do qual participaram nomes como Jorge Amado e Carlos Bastos.

Renovação

Cinqüenta e um anos depois, uma nova e definitiva mudança: Em 1970, durante o governo de Luis Viana Filho, ficou pronto o prédio de cinco andares dos Barris, onde até hoje a Biblioteca Pública da Bahia, também conhecida como Biblioteca Central, funciona de segunda à sexta, das 8 às 21h e aos sábados de 8 até às 12h.

Dos iniciais 3 mil livros do século 19, a instituição passou a ter 720 mil exemplares não só de livro, mas também jornais e revistas. Um acervo raro e valioso visitado por uma média de 12 mil pessoas por mês, entre baianos e pesquisadores de todo o mundo. Há, por exemplo, um dicionário inglês-francês com apenas 2,5 centímetro de altura por 2 centímetro de largura e um livro editado em Veneza em 1581, a obra mais antiga da casa.

Na década de 70 do século passado, a biblioteca passa por uma renovação, ganha serviços como o setor braille e o de documentação e acervo de arte e chega ao século 21 informatizada e com acervo disponível para consultas via web.
“Nosso objetivo é estender a ação na Net também para os periódicos, ampliar a modernização, automatizando o acesso do cidadão ao livro”, conta Ubiratan Castro, diretor da Fundação Pedro Calmon à qual são ligadas as bibliotecas estaduais.

Em estudo pela Secretaria da Cultura, há ainda um projeto de unificação das diversas linguagens culturais abrigadas no prédio como o teatro (Espaço Xisto), cinema (Sala Walter da Silveira), vídeo (Sala Alexandre Robatto) e artes plásticas (Pierre Verger e Xisto Bahia). Seria mais um plus para uma instituição que há 197 anos vem se destacando com grande diferencial para levar conhecimento e cultura para cidadãos baianos e do mundo.