A Bahia firmou, nesta sexta-feira (16), o compromisso de desenvolver e executar políticas públicas de combate ao abuso sexual infanto-juvenil. A partir de agora, o Governo do Estado e os municípios baianos vão trabalhar de forma articulada na luta contra a violência sexual, em parceria com segmentos da iniciativa pública e privada.

As ações serão possíveis graças ao Pacto Estadual de Enfrentamento à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, assinado pelo secretário de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza, Valmir Assunção, e representantes de 30 prefeituras municipais – Salvador, Vitória da Conquista, Entre Rios e Camaçari, entre elas.

O pacto foi assinado durante o seminário Enfrentamento à Exploração Sexual Infanto-Juvenil – Essa é a Luta de Todos, realizado no Centro de Convenções. “É dever de todos nós, do governo e da sociedade, trabalhar na redução dos casos de abuso que marcam a infância de muitas crianças”, disse o secretário. Ele se referiu às 1.229 denúncias de violência sexual registradas na Bahia pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, em 2007.

Dois anos antes, o total de denúncias registradas foi 225. O aumento verificado desde então, não significa, necessariamente, um incremento da violência, mas sim uma maior conscientização das pessoas sobre a importância de denunciar esse tipo de crime. Este ano, a Bahia deverá ultrapassar a marca das duas mil denúncias até dezembro – até o final de março, já eram cerca de 500. As denúncias de abuso e exploração sexual em todo o país podem ser feitas pelo Disque 100.

“Infelizmente, mesmo com as denúncias, são raros os criminosos que pagam por seus crimes. É preciso que criemos mecanismos que garantam a punição dessas pessoas. Este será um dos papéis do pacto que assinamos hoje”, afirmou Waldemar Oliveira, coordenador do Comitê de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes do Estado da Bahia, responsável pela realização do seminário, junto com a Sedes.

As diretrizes do pacto têm por base uma pesquisa, encomendada pelo Governo do Estado e intitulada “As Identidades dos Caminhoneiros”. O trabalho, conduzido pela socióloga Marlene Vaz, aponta diferentes perspectivas sobre caminhoneiros que seviciam meninas e as próprias crianças. “O caminhoneiro não deve ser visto como um monstro, mas como um ser humano sem informação e sem formação, que precisa ser avaliado à luz dos direitos humanos. Já as meninas se deixam levar por isso porque vivem abaixo da linha da pobreza e se vêem sem opção”, afirmou.

Nas estradas baianas

Ao realizar um levantamento de dados nas rodovias federais baianas em 2005, a Superintendência da Polícia Rodoviária Federal (PRF), na Bahia, identificou 71 pontos vulneráveis à exploração sexual no estado. Após ações de combate à prática desde então, esses pontos caíram para 55, em 2007. Como locais críticos, Azevedo cita as margens das BRs 116 e 242, as proximidades dos municípios de Jequié, Juazeiro, Seabra e Barreiras, além das divisas com os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

“Nós aperfeiçoamos a abordagem. Antes, fiscalizávamos somente o condutor. Agora, verificamos também os demais ocupantes do veículo. Se houver alguém menos de 18 anos, cobramos algum grau de parentesco. Se não houver, exigimos autorização judicial para o transporte”, explicou o superintendente da PRF. Ele acrescentou que, sem a autorização, o caso é encaminhado à Delegacia Civil. E se houver constatação de exploração sexual, o conselho tutelar é acionado.

“A idade das meninas varia de 13 a 17 anos, mas já houve casos com crianças de 12”, informa Azevedo. Segundo ele, as meninas se submetem a esse tipo de situação por carência e por promessa de dinheiro. “Às vezes, a criança até tem pai e mãe em casa, porém todos vivem em péssimas condições financeiras. Assim, a menina acaba cedendo a quem está disposto a pagar para abusar do seu corpo”, enfatizou.

Referência

Na Bahia, o trabalho de prevenção à prática e amparo às vítimas de abuso sexual tem como referência, o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), que presta assistência psíquico-social e jurídica a crianças e adolescentes explorados sexualmente. O auxílio, tanto à criança quanto à família, se dá desde a ida à delegacia até a finalização do processo. São mais de 400 meninos e meninas sob acompanhamento desde 1997 – mais de cem pessoas responsáveis pelos crimes já foram condenadas.

Foi do Cedeca que partiu a proposta de instituir, por meio da lei federal nº 9970/00, a data de 18 de maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Nesse dia, uma menina de 8 anos, chamada Araceli, foi vítima de um crime bárbaro, em Vitória do Espírito Santo – raptada, drogada, estuprada, morta e carbonizada por jovens de classe média alta. O episódio causou comoção nacional, mas os autores permaneceram impunes.

O Cedeca, inclusive, acompanha o caso da menina M.*, hoje com 14 anos, filha de Saulo Soares*. A garota foi violentada pelo filho de uma vizinha – um rapaz com aproximadamente 20 anos – poucos dias depois do Carnaval do ano passado. O pai, porém, só tomou conhecimento do caso mais de 15 dias depois, quando começou a perceber o estranho comportamento da filha e foi conversar com ela.

“Ela andava nervosa e até o seu jeito de sentar era estranho”, diz Saulo. Foi quando a menina contou que, ao ir entregar uma vasilha com comida na casa da vizinha, o rapaz a agarrou, tapou sua boca e praticou ato sexual com ela. Ao saber do caso, o pai ficou transtornado.

O primeiro passo foi prestar queixa na Delegacia Especial de Repressão a Crimes Contra Crianças e Adolescentes (Derca). Logo após, M.* fez exame de corpo delito no Instituto Médico Legal (IML), sendo constatado que houve penetração em seu corpo. Desde então, a menina vem superando o drama com o auxílio de uma assistente social e de uma psicóloga do Cedeca.

Hoje, ela já vai à escola e brinca como uma adolescente normal. Consta que o rapaz que se aproveitou dela é usuário de drogas. Intimado a comparecer na delegacia, ele foi ouvido e liberado. Em seu depoimento, alegou que a menina se entregou a ele por espontânea vontade.

“Há pouco tempo, esse rapaz foi preso por ter sido pego com crack”, conta Saulo. O inquérito está concluído e encontra-se nas mãos da justiça. O Cedeca acompanha o andamento do caso, sem esquecer que a exploração sexual é um crime previsto no artigo 244 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Quem cometê-lo está sujeito à pena de quatro a 10 anos de reclusão, além de multa.

*Os nomes e iniciais das pessoas citadas foram trocados para preservar as fontes.