No momento em que o mundo discute questões como a crise de alimentos que ameaça 100 milhões pessoas na terra, cerca de 200 cientistas da América Latina, reunidos no Hotel Sol Bahia, em Patamares, no I Encontro Latino-americano de Combate à Desertificação, chamam a atenção para o fenômeno que pode, como uma das suas conseqüências, aumentar a fome no planeta. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostram que até 2050, a desertificação e a salinização podem afetar 50% das terras agrícolas da América Latina e do Caribe.

Uma das pesquisadoras presente ao evento, que começou na segunda-feira (7) e termina na quarta, a cubana Nery Urquiza, lembrou que 22% dos alimentos produzidos no mundo estão em áreas vulneráveis à desertificação. Em função disso, um dos problemas mais graves enfrentados pelas autoridades mundiais é a migração de pessoas para outros centros – são os chamados refugiados ambientais.

Ela destacou que, no mundo, 2,6 bilhões de pessoas, o que representa 42% da população do planeta, estão em áreas afetadas pela desertificação. No Brasil, são mais de 32 milhões de pessoas e os prejuízos econômicos chegam a R$ 5,6 bilhões por ano. Na Bahia, 62% do território está em região semi-árida, o que representa mais de 250 municípios e uma população de mais de 3 milhões de pessoas. Municípios como Jeremoabo, Juazeiro, Uauá e Euclides da Cunha estão entre as áreas suceptíveis ao fenômeno.

Urquiza, que é membro da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD), trabalha há mais de 20 anos na área ambiental e há 10 é pesquisadora do Centro de Gestão Ambiental do Ministério da Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Cuba, explica que o risco eminente de desertificação está presente nos 33 países da América-latina. “O Brasil está entre os países da América-latina com maiores riscos de desertificação. As áreas vulneráveis estão nas zonas áridas e semi-áridas dos sete estados do Nordeste e nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo”, acrescentou.

Fatores como as mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global e ações humanas como o extrativismo e o desmatamento desordenado, o aumento das queimadas e o uso intensivo do solo na agricultura, podem contribuir decisivamente para agravar essa situação. No encontro, os cientistas buscam conhecimentos, novas tecnologias, o fomento às experiências e boas práticas tradicionais no enfrentamento à desertificação. O evento é resultado de um acordo pactuado internacionalmente por vários organismos na Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD).

Rede de pesquisa

Um dos resultados práticos do encontro, que é promovido pela UNCCD, Ministério do Meio Ambiente e Governo do Estado da Bahia, por meio do Instituto de Gestão das Águas e Clima (Ingá), autarquia da Secretaria de Meio Ambiente (Sema), é ampliar a rede de pesquisadores do tema. A perspectiva, segundo o diretor-geral do Ingá, Julio Rocha, é a de que essa rede possa contribuir com informações que subsidiem os governos na tomada de decisões e implementação de medidas de mitigação e convivência com a seca.

“Desse encontro sairão recomendações para a convenção das Nações Unidas que será realizada ainda este ano em Istambul, na Turquia, com informações que apóiem os governos no sentido de garantir sustentabilidade ambiental e da mesma forma incentivem que sejam alcançados melhores níveis econômico e sociais, principalmente aos países, que se encontram na linha de pobreza, uma vez que o combate à pobreza e às desigualdades são os elementos norteadores dessa mudança, aliados à recuperação, preservação e conservação dos recursos naturais”, acrescentou.

Na Bahia, segundo Rocha, ações de enfrentamento do problema já estão sendo adotadas, a exemplo da implementação do Plano Estadual de Combate à Desertificação (PAN-Bahia). O programa foi aprovado no ano passado pelo Fundo Nacional de Meio Ambiente, do Ministério do Meio Ambiente e está alinhado com o Programa Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasil). Os técnicos do Ingá já estão indo a campo para estudar as áreas vulneráveis do estado e traçar o diagnóstico inicial para a construção do PAN-Bahia.