A Bahia foi escolhida pelo comissário das comemorações dos 200 anos da vinda da família real para o Brasil, Rui Rastilho, para sediar a mostra do arquiteto e fotógrafo português, Júlio de Matos, que será inaugurada, nesta quarta-feira (29), às 19h, no Museu de Arte da Bahia.

A exposição aborda de uma forma simbólica, a influência dos emigrantes de “torna-viagem” (os portugueses vindos do Brasil na transição dos sécs. 19 e 20 ) e as casas que, segundo escreve Rastilho, “mandaram erguer nas terras que os haviam visto nascer e crescer, antes que a imigração os levasse”.

Conhecidas como “Casas de Brasileiro”, elas “perduraram, sobretudo, pela sua qualidade arquitetônica, mas também pela exuberância, decoração ou zelo hereditário numa época de transformações em Portugal devido às reformas administrativas e políticas”, como explica Rastilho.

A diretora do MAB, Sylvia Athayde, explica que essa exposição patrocinada pelo governo de Portugal, por meio do seu Ministério da Cultura, com o apoio da Secretaria da Cultura/Ipac, vai ser mostrada pela primeira vez em Salvador, homenageando a cidade onde D. João aportou com a Corte Portuguesa em 1808.

Também e, em particular, no Museu de Arte, que durante todo este ano manteve presente na memória do povo do Brasil os 200 anos de história, pela realização de duas importantes exposições: a primeira, A Bahia na Época de D. João, que obteve recorde de público, e a segunda, De Colônia a Império, um Olhar sobre o Séc. XIX, que o MAB vai manter aberta até o final de novembro. Essa exposição de fotografias percorre ainda Museus de Brasília e do Rio de Janeiro.

Registro de afetos

O trabalho fotográfico de Júlio de Matos é resultado de pesquisa exaustiva sobre a história dos portugueses no Brasil a partir do século 19. Naqueles anos oitocentos, os portugueses que vieram para o Brasil fugiam da guerra e foram atraídos pelo café, o comércio e os escravos, segundo registros de Rui Rasquilho.

Aqui fizeram fortuna e, após a Independência, em 1822, esses portugueses, liberais primeiro, republicanos depois, trouxeram à ribalta Lusitana novas classes dirigentes e no seio destes novos modelos, a figura do “brasileiro afortunado”.
Segundo o ensaísta Jorge Pereira Sampaio, doutor em História da Arte pela Universidade Lusíada de Lisboa, após a Independência, o Brasil “põe em prática a política de abertura à imigração para onde viajaram milhares de portugueses, prósperos, carregados de jóias vistosas e falando um português com açúcar”.

Em Portugal, “tornavam-se filantrópicos, construíam hospitais, asilos, escolas e recuperavam igrejas. Aspiravam ascensão social e reconhecimento, e muitas vezes receberam por mérito, títulos nobiliárquicos e comendas. Frequentemente mandavam os filhos estudarem em Paris, de onde traziam o gosto pelo luxo e pelas artes cênicas. E edificavam casas de grande efeito cênico, numa natural necessidade de demonstração de poderio e conforto”.

Olhando as 51 peças fotografadas por Julio de Matos, Sylvia Athayde descreve que “algumas das casas construídas pelos brasileiros” têm a forma de chalés, com projetos arquitetônicos de vários volumes, com mirantes, torres e sacadas – como a Vila Bel mira, em Ponte de Lima.

Outras vezes, são rodeadas por jardins, com lagos e grutas artificiais, caso da Vila de Morais, em Ponte da Lima, ou do Castelo Bom Jesus, em Braga. Outra tem um aspecto palaciano como a Casa de Boa ventura Rodrigues de Sousa, na Avenida da Boa vista no Porto.

Segundo Sylvia Athayde, “Casas de Brasileiro” foram tema de muitos autores portugueses, como Júlio Diniz, Ramalha Hortelão e Castelo Branco que descrevem as inovações arquitetônicas e decorativas inspiradas no que seus proprietários viam no Brasil, desde uma arquitetura neoclássica aos chalés de influência européia que passaram a surgir nas principais cidades brasileiras no século 19, muitas vezes complementados por alpendres ligados às necessidades de um clima tropical, assim como as azulejarias usadas nas fachadas.

Os interiores de algumas dessas construções são palacianos, como é o caso da Quinta da Regaleira, em Sintra, ou da Vila Beatriz, em Santo Emilião, Essas casas – diz Sylvia – existem por toda Portugal, embora a maior incidência de construções estejam localizadas no norte de Portugal, e na Província do Minho, em particular, procedência da maioria dos emigrantes.
Continuando, Athayde destaca que a figura do emigrante de torna-viagem “está bem presente na ficção portuguesa desde os anos Oitocentos sucedendo o mesmo com as suas casas, descritas por Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, Aquilino Ribeiro e Julio Diniz”. A volta dos emigrantes portugueses na transição dos sécs. 19 e 20 é relatada pelos mais influentes escritores como responsáveis pela alteração da paisagem em Portugal e um marco na Arquitetura Portuguesa.

O texto de Jorge Sampaio, o comissário da palavra, como Rastilho o chama, “ajuda-nos a recuperar portas de almofada a branco e ouro, que se abrem para a sala de jantar, os átrios revestem-se de azulejos. As madeiras do Brasil convivem com os estuques, os fogões em mármore e as sacadas em ferro trabalhado, os lustres em cristal, constituem um cenário que se continua muitas vezes nos jardins de bucho e por meio dos parques recheados de mobiliário urbano “.

A realização dessa exposição de fotografias no ano em que se comemoram os 200 Anos da chegada da família real no Brasil vem destacar a importância do Brasil para o enriquecimento de muitos portugueses e um conseqüente desenvolvimento econômico e social de algumas regiões de Portugal. Sobre o autor da mostra, o arquiteto e fotógrafo Júlio de Matos, que estará presente na abertura da exposição, nesta quarta, Sylvia Athayde o qualifica como “um profissional de linhagem, formado no Porto – Portugal e após graduado nos Estados Unidos, fundador do Curso Superior de Fotografia, em Porto, e expositor de diversas coleções de fotografias na Europa, USA, China e agora, no Brasil”.