Ao perceber que a sua vida perdeu o sentido, Dagoberto, um Chevette Hatch 1983, pede a seu proprietário que o sacrifique num ferro-velho. A drástica decisão vem do fato de que o carro não mais reconhece o mundo e o mundo muito menos o reconhece. Por isso, só lhe resta morrer, na fantasia de que poderia haver um paraíso, pois Deus não seria tão injusto assim.

Este é o mote do filme Dagoberto Vai ao Paraíso, de Raul Moreira. Finalizado em 35 milímetros, ele será exibido para convidados na próxima quinta-feira (6), em duas sessões noturnas, no Cinema do Museu, no Corredor da Vitória.

Realizado graças ao apoio do Fundo de Cultura do Governo da Bahia, que financiou a sua finalização, como define o próprio diretor, Dagoberto Vai ao Paraíso é um road movie existencial com elementos revisionistas.

“A partir da vida e das ações dos quatros primeiros proprietários do carro, o Brasil é passado a limpo, com todas as suas transformações”, disse Moreira, lembrando que o Chevette foi parido no crepúsculo da Ditadura Militar, viveu o movimento das Diretas Já, a morte de Tancredo Neves antes de tomar posse e a ascensão de presidentes arrivistas, como José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco.

Simbolizado pelo boneco do Topogiggio, seu alter ego pendurado no retrovisor, Dagoberto acompanhou outras mudanças e as inúmeras contradições que se acentuaram no Brasil ao longo dos últimos 25 anos. Por fim, ao perceber que não passava de uma máquina velha em meio a uma frota renovada, resolve ir para o sacrifício.

O cineasta destacou que o filme também é uma metáfora que discute a cultura da jovialidade no Brasil de hoje. “Infelizmente, o que vale é novo e aparentemente belo. Algo muito discutível”, declarou, apontando a contradição em torno da questão: “O Brasil está envelhecendo e o poder econômico encontra-se nas mãos dos mais velhos”.

Diálogo surreal

Desenvolvido com um diálogo surreal em off, entre Dagoborto e Bené, o último proprietário, o presente do filme é em coloração sépia, enquanto o passado colorido. “A escolha vem a afirmar o incômodo de Dagoberto em viver o presente, enquanto o colorido simboliza o doce sabor da memória, que muitas vezes é o que resta aos mais velhos”, explicou o diretor.

Rodado em digital e finalizado em 35 milímetros, com som dolby 5.1, o elenco conta com a presença de atores conhecidos na cena soteropolitana, como Antônio Fábio, Júlio Góes, Igor Epifânio, Olga Lama, Tom Valença e Lula Martins, que deu vida ao personagem principal de Meteorango Kid – Herói Intergalático, de André Luís Oliveira. A trilha original é do músico Ricardo Luedy.