Orgulho e exemplo. Para a família, estudantes e comunidade escolar, estes foram os adjetivos usados para definir Uendel Carvalho Monteiro, 12 anos, estudante da 6ª série da Escola Estadual Cleto Araponga, em Periperi, que embarcou para Recife, onde representará a Bahia na Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro.

Concorrendo com estudantes de outras 70 escolas da Bahia, ele foi classificado na etapa regional, na categoria poesia. Até esta sexta-feira (14), Uendel, que estará acompanhado da professora de Língua Portuguesa e incentivadora, Chirlane Cerqueira, participará de oficinas literárias, junto com mais 500 estudantes de todo o país. Caso passe para a próxima etapa, será submetido a outra seleção entre os 150 melhores alunos.

O prêmio para os 15 primeiros colocados é uma medalha de ouro e um computador. “Quero me dedicar bastante e aperfeiçoar o meu texto”, declarou Uendel, que não segurou as lágrimas de emoção. Além do concurso, foi a primeira vez que entrou no aeroporto, viajou de avião e saiu de Salvador.

A classificação serviu para mostrar também a importância da relação do aluno com o professor. O incentivo veio de Chirlane que soube do concurso, acreditou e inscreveu a escola.

Após receber o material enviado pela comissão de organização, começou o trabalho em sala de aula. Há apenas dois anos na docência na rede pública, ela não se intimidou e aceitou o desafio.

“A expectativa é a melhor possível, ainda mais depois de passar a última semana trabalhando a poesia junto com ele, no turno oposto. Com esta experiência, quero poder trazer novidades para meus alunos e para a escola”, destacou Chirlane.

Poeta

A violência no bairro em que vive e os medos cotidianos inspiraram Uendel a redigir a poesia, que pedia para trabalhar o tema “O Lugar Onde Vivo”.
O aluno não acreditava no seu potencial e achava que o que escrevia era bobagem. Desde os 10 anos, durante a madrugada, escreve poesias sobre temas diversos ou algum sentimento momentâneo, mas jogava tudo no lixo.

“Deve ser coisa de poeta”, afirmou a avó, Ivonilde Oliveira, que o cria. Ela ressaltou que é um menino de poucas palavras e inteligente. “Até do reforço escolar foi dispensado, pois fazia as tarefas sozinho”.

Ainda desacreditado de que um menino do subúrbio poderia ser reconhecido por um texto, que ele considera simples, decidiu participar do concurso e escreveu a poesia “Infância Conturbada”.

O texto revela a violência e as conseqüências que ela teve em sua vida. O único irmão foi assassinado há dois meses e o pai, quando ele tinha dois meses de vida. Mesmo com uma infância difícil, sem conhecer a mãe que o abandonou quando tinha sete meses, sendo criado pela avó, e que poderia ter tomado outros rumos, viu na educação uma saída para melhorar a vida.

De família humilde, evangélica e sempre confiante na educação para mudança, ele diz que irá persistir no sonho de ser advogado para defender as pessoas que não têm recursos. Porém afirma que tem outra vocação – ser jogador de futebol.

“Pretendo fazer faculdade, me formar. Deixo como recado para meus colegas, que nunca desistam dos seus sonhos, pois, a partir de agora, sei que posso e irei fazer de tudo para ver meu trabalho publicado”, desabafou Uendel Monteiro.

Família

Os votos de esperança e o pensamento positivo foram transmitidos pelos parentes que vêem no garoto uma vitória. Para o tio, Evanildo das Neves, só em saber que o subúrbio, um bairro tão esquecido e pobre, foi lembrado é muito importante.

De origem humilde, eles vêem na educação e nos princípios religiosos, a possibilidade de melhorar de vida, sair da marginalidade e estar alcançando um destaque na sociedade.

“Isto é ação de Deus. Espero que complete o que começou, pois, sem Ele, não conseguimos nada. Para nós, que vivemos tantas tristezas, é um grande momento de alegria”, afirmou Evanildo.

Olimpíada

Realizada pelo Ministério da Educação, em parceira com a Fundação Itaú Social e o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), o concurso tem como objetivo contribuir para a melhoria da qualidade de ensino e para o aperfeiçoamento da escrita.

Participam estudantes de 4ª, 5ª, 7ª e 8ª séries do Ensino Fundamental (ou séries equivalentes do ciclo de 9 anos) e alunos de 2º e 3º anos do Ensino Médio de escolas públicas. A participação do aluno depende da inscrição do professor e a adesão da escola, que é vinculada à adesão das redes de ensino municipal, estadual ou federal.

O trabalho é desenvolvido por meio de material de apoio pedagógico (kit de criação de textos) para que os professores realizem oficinas de leitura e escrita com seus alunos. A idéia é que todos os alunos envolvidos se beneficiem, sendo ou não selecionados para concorrer.