Desta sexta-feira (5) ao dia 11 deste mês, a Sala Alexandre Robatto exibe, com entrada franca, uma série de filmes de ficção e documentários relacionados, de alguma forma, ao Cinema Marginal ou Cinema de Invenção, movimento cinematográfico surgido no final dos anos 60, em São Paulo, caracterizado por seu estilo experimental e independente, além da estética do lixo e suas produções de baixo custo.

Uma das atrações da mostra será o Programa Memórias da Boca do Lixo, série de documentários que explora o universo do cinema marginal paulistano, os cineastas do período e a chamada Boca do Lixo, região do centro de São Paulo tradicionalmente marcada pela prostituição e criminalidade.

Durante o final da década de 60, vários pequenos produtores transferiram suas empresas para a região que, ao longo da década de 70, transformou-se num dos maiores pólos de produção de filmes comerciais da história do cinema brasileiro. Comédias eróticas, filmes policiais, fitas de terror e até mesmo westerns estão entre os gêneros explorados pelos diretores e produtores da "Boca".

Meteorango Kid

Também será exibido como parte do ciclo, o legendário Meteorango Kid, de André Luiz Oliveira. Nele, o diretor juntou atores do teatro marginal, cinema de vanguarda e os Novos Baianos, para filmar um texto de sua autoria sobre a revolta da juventude classe média.

O filme, um dos mais cultuados do Cinema de Invenção realizado na Bahia, retrata um personagem marginal, apesar de proveniente da classe média: o jovem Lula, que vaga sem causa alguma pelas ruas de Salvador.

Nessa trajetória, a personagem central encontrará várias figuras que contestam as normas do sistema. A obra oferece um retrato da juventude brasileira, que procura descobrir como agir (ou não agir) em plena linha dura do regime militar.

Nesse contexto, a ausência de sentido está presente a todo instante. Em diálogo com o tropicalismo e com a arte pop, o filme não hesita em antropofagizar o "cinemão" americano e é repleto de citações a heróis como Batman, Robin e Tarzan.

Além de Meteorango Kid, o cinema marginal baiano conta também com outra realização marcante: Caveira My Friend, de autoria do recém falecido ator e diretor Álvaro Guimarães, que não só dirigiu, mas também escreveu o roteiro junto a Léo Amorim desse filme pouquíssimo conhecido do grande público, que tinha no elenco Baby Consuelo (a atual Baby do Brasil), Nilda Spencer (também recentemente falecida), Caveirinha, Gessy Gesse, Nonato Freire, Sonia Dias, Conceição Senna e Manoel Costa. O filme marcadamente experimental realizado em preto-e-branco em 1970 retrata personagens à margem da sociedade bem comportada.

Experimentalismo profanador

O experimentalismo de caráter profanador, a ruptura com a tradicionalidade das imagens e as formas narrativas e estéticas "bem-comportadas" se tornaram características peculiares do cinema marginal.

Os marginais negavam a visão dualista de um Brasil dividido entre rural e urbano, utilizada até então pelas esquerdas para defender uma identidade nacional. As cidades começariam a ser retrato também de nosso país.

O cinema marginal desenvolveu-se principalmente na Boca do Lixo paulistana, nas ruas próximas à Estação da Luz, como a Vitória e a do Triunfo.

O cinema marginal brasileiro – diferindo do cinema Underground americano, o qual é freqüentemente associado, tendo sido o daqui alcunhado em parte de cinema Udigrudi – não queria ficar à margem dos circuitos exibidores, mas sim foi um cinema marginalizado pelos circuitos e pela censura (com raras exceções, entre essas O Bandido da Luz Vermelha).

O fator que mais instigava dentro do Cinema Marginal foi a atitude dos diretores, na época, frente às duras amarras da censura sobre qualquer meio de expressão, principalmente a artística, e o fato de eles realizarem seus filmes a qualquer preço.

Indiferente dos rumos que cada diretor deu a sua carreira, que são muito diversificados, basta citar a safra cult de diretores representada por Rogério Sganzerla (O Bandido da Luz Vermelha, A Mulher de Todos), Julio Bressane (Matou a Família e Foi ao Cinema, O Anjo Nasceu), João Silvério Trevisan (Orgia ou O Homem que Deu Cria), e Ozualdo Candeias (A Margem, A Herança), propunha-se radicalismos extremos.

O desencantamento com a realidade encontraria em textura preto-e-branco defensores ferrenhos e não se poder negar a genial irreverência desta geração de cineastas e sua importante e criativa contribuição para o cinema nacional, mesmo diante das dificuldades do mercado de exibição.