A Ordem 3ª do Rosário dos Homens Pretos, uma das primeiras e mais antigas confrarias de negros escravos e libertos do Brasil, originada no século 17 e que funcionou, inicialmente, na antiga Sé de Salvador, celebrou, na segunda-feira (28), a entrega oficial das chaves da sua sede – a Igreja do Rosário dos Pretos -, no Pelourinho, para que o Instituto do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia (Ipac) inicie as obras de restauração do monumento.

As chaves foram recebidas pelo diretor geral do Ipac, Frederico Mendonça, e a empresa MFP, construtora licitada pelo governo estadual para tocar as obras da edificação tombada pelo Instituto do Patrimônio Artístico Nacional (Iphan), desde 1938, como patrimônio nacional. “A intenção é que as obras sejam iniciadas já no dia 7 de outubro, com período estimado de 10 meses de trabalho”, disse Mendonça. O evento marcou ainda a transferência do rico acervo da Irmandade, no total de 459 peças, já inventariadas pelo Iphan e Ipac, e transferidas para a Ordem 3ª do Carmo, que cedeu espaço para a guarda.

Frederico Mendonça explica que a transferência garante a salvaguarda desses bens, já que eles detêm inestimável valor cultural e artístico e devem ser protegidos das atividades do canteiro de obras. Esculturas sacras, castiçais, lustres, jarros de porcelana, quadros, esquifes, andores, retratos, cadeiras, mesas, oratórios, documentos e outras dezenas de peças compõem o acervo. Outras 74 peças grandes como um Cristo crucificado e a Nossa Senhora do Rosário permanecerão na igreja.

Mais 12 peças também ficaram no templo para serem restauradas. Cerca de 20 técnicos do Ipac, entre arquitetos, restauradores, museólogos e fotógrafos participaram do mutirão para identificar, diagnosticar conservação, higienizar, imunizar, fotografar, catalogar e embalar as peças.

A transferência aconteceu graças a parceria entre Ipac, Irmandade, Secretaria da Segurança Pública e Fundação Pedro Calmon, que contratou empresa especializada em transportes.

Na ocasião foi assinado termo de compromisso entre o Ipac, Irmandade e Ministério Público da Bahia, por meio do Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico Artístico e Cultural (Nudephac) sediado em casa cedida pelo Ipac, na Rua Francisco Moniz Barreto, nº12, Pelourinho.  “Este é um momento histórico porque é o primeiro ato oficial de mediação do Nudephac”, afirmou o promotor Marcelo Guedes, coordenador do Núcleo, criado em junho deste ano pelo procurador geral Lindivaldo Britto. “Ao Nudephac compete propor a celebração de convênios e providenciar ajustes entre MP e instituições públicas e privadas, com objetivo de aperfeiçoar a defesa do Patrimônio”, explicou Britto à época.

Investimento de R$ 50 milhões em obras

Vinculado à Secretaria de Cultura do Estado, o Ipac coordena outras obras de restauração no Centro Histórico de Salvador já em andamento, a exemplo do Palácio Rio Branco, Casa das Sete Mortes, igrejas do Pilar e Boqueirão, além do Oratório Cruz do Pascoal, que será iniciada também em outubro.
Todas contam com aporte de recursos via Ministério do Turismo e Secretaria do Turismo do Estado, por meio Prodetur 2 (Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste).

Além disso, o Ipac executou reformas no Solar Ferrão e a requalificação de fachadas de 60 imóveis no Pelourinho e Baixa dos Sapateiros. Somente no CHS, o instituto gerencia cerca de R$ 17 milhões em restauração de imóveis e monumentos. Entre 2007 e 2009, o Instituto vem coordenando aproximadamente R$ 50 milhões em obras na Bahia, notadamente no CHS, Cachoeira e Lençóis. Essa será a mais importante intervenção já realizada nos últimos 50 anos na Igreja do Rosário dos Homens Pretos, pois a intervenção inclui recuperação do prédio e restauração de imagens e bens móveis integrados.

História viva do crescimento urbano e cultura da cidade

Localizada à meia encosta do Largo do Pelourinho, formado pelo encontro das ruas Alfredo de Brito, Gregório de Matos Taboão e Ladeira do Carmo, a igreja dos ‘Homens Pretos’, antecede o Largo e outras edificações à sua volta, já que ocupava área externa aos antigos muros de proteção da cidade, sendo, por isso, história viva, evolutiva e dinâmica do crescimento urbano e cultural de Salvador. Em 1685, a Irmandade dos ‘Homens Pretos’ foi erigida e, em 1704, o então arcebispo D. Sebastião da Vide concede autorização para construir a igreja, celebrando os primeiros atos religiosos já em 1710. A edificação tem notável mérito arquitetônico e sua construção foi concluída após quase 100 anos pelos irmãos, em suas horas vagas do trabalho.

No interior do prédio, o piso é revestido em mármore e as paredes com azulejos com cenas relativas à devoção ao Rosário de Lisboa (1790), com retábulo do altar-mor de João Simões (1870/71) e pintura do teto de José Lima (1870/71). Dentre a imaginária, destacam-se N.S. do Rosário (século 17), São Benedito, Santo Antônio de Catigerona e um Cristo crucificado em marfim.