Os quilombolas da Bahia tiveram razões especiais para participar, no município de Carinhanha, da abertura do Encontro Pelas Águas com o segmento, na sexta-feira (30), promovido pelo Instituto de Gestão das Águas e Clima (Ingá), visando aprimorar a política estadual de recursos hídricos em bases cada vez mais democráticas e participativas.

Na primeira cidade da Bahia a receber as águas do Rio São Francisco e a testemunhar o encontro de suas águas com as do Rio Carinhanha, grupos quilombolas de diversas regiões responderam em peso à convocação do Ingá para estabelecer o diálogo com o Governo do Estado e encaminhar suas demandas em relação às águas dos locais onde vivem.

Organizados em pequenos grupos ou partindo em grandes comboios, eles enfrentaram horas de viagem, cruzando estradas e rios, para ter a oportunidade de partilhar com os seus iguais as experiências de luta e resistência a favor da conservação dos seus mananciais.

Na solenidade de abertura, realizada no auditório da Câmara Municipal, as comunidades ouviram representantes de diversas instâncias de governo anunciarem suas expectativas quanto aos resultados do encontro. O diretor-geral do instituto, Júlio Rocha, ressaltou a importância da formulação de políticas afirmativas para o segmento.

“Estamos aqui para construir políticas públicas que afirmem a dignidade e os direitos de populações que viveram por muito tempo à margem da cidadania. Isso passa pelo reconhecimento das nossas raízes negras, de uma ancestralidade por muito tempo negada. Esse é o momento de vocês serem protagonistas, porque direitos não se ganham, se conquistam”, afirmou o diretor.

À mesa de abertura, outras lideranças significativas da gestão ambiental da Bahia e do Brasil como o superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Célio Costa Pinto, o diretor de Regulação do Ingá, Luiz Henrique Pinheiro, e o representante da Companhia de Engenharia Ambiental da Bahia (Cerb), Rudimar Mota, reconheceram ser este um momento inédito na história do estado.

Garantia de direitos

Os Encontros Pelas Águas se alinham a diversas conferências e escutas populares que estão ocorrendo no âmbito do governo para associar as políticas públicas a princípios que estimulam a sociedade a estabelecer uma relação de parceria e co-responsabilidade sobre os rumos da gestão.

Por isso mesmo, o evento também foi o momento de avaliar as conquistas alcançadas com o ciclo de Encontros Pelas Águas, em 2007, quando, pela primeira vez, os sonhos e desejos dos segmentos quilombolas foram reunidos na Carta Pelas Águas, que consolidou a vertente participativa e democrática adotada pelo Ingá, na gestão dos recursos hídricos da Bahia.

Para o quilombola da cidade de Cachoeira, Raimundo Joselino, o encontro é importante porque cria redes de relacionamentos entre diversas comunidades. “Temos contato com quilombolas de toda a Bahia, trocamos ideias e conhecemos as suas experiências. Pela primeira vez, construimos políticas e somos atendidos pelo governo. Nossa comunidade quilombola está vivendo uma grande conquista depois de ser incluída no Programa Água Para Todos”.

Estimulados por representantes quilombolas que já ocupam espaços na institucionalidade do governo como o Conselho Estadual de Recursos Hídricos (Conerh) e da sociedade civil, a exemplo do Conselho das Águas, que vem acompanhando a efetividade das garantias estabelecidas no ciclo de 2007, os participantes se inspiraram na voz dos mais experientes para continuar a luta e dar a sua contribuição no encontro deste ano.

Os quilombolas, que chegaram dos mais diferentes recantos da Bahia – do Recôncavo Sul a Bom Jesus da Lapa, de Campo Formoso a Lençóis, passando por Boninal, Seabra, Muquém, Malhada, Souto Soares, Sítio do Mato, Ibitiara, entre outras localidades -, ouviram com atenção as palavras de incentivo de Júlio Cupertino, primeiro quilombola com assento no Conerh. “Tenho 70 anos, mas, para a luta, me sinto um jovem de quinze anos”.