Terra mais negra do Brasil, a Bahia avança na construção de políticas públicas que garantem o direito à educação aos povos remanescentes de quilombos. Depois de implantar, por lei, a obrigatoriedade da inclusão nos conteúdos educativos das influências étnicas da África na formação da sociedade brasileira, o Governo da Bahia está capacitando os professores da rede pública estadual para adotar o novo currículo e assumiu o compromisso de construir 28 escolas em comunidades quilombolas no Estado, até 2010, sendo 21 de ensino fundamental e sete de ensino médio. No total, 32 comunidades quilombolas serão atendidas em 16 municípios do Estado.

“Esta foi uma das melhores coisas que o Estado poderia ter feito por nós. Em nossa comunidade, o povo não aceitava a palavra quilombola, éramos muito perseguidos”, disse a professora da Escola Estadual São Francisco do Paraguaçu, Niete de Jesus, em Cachoeira. Segundo ela, por meio do ensino, vai ocorrer uma mudança no comportamento. “Vão diminuir as agressões morais que sofremos e, assim, poderemos conquistar o respeito e nosso título de liberdade, pelo qual tanto lutamos”.

Firme Costa, 43 anos, morador da comunidade quilombola de Lage dos Negros, em Campo Formoso, disse que a instalação da escola de 2º grau é uma necessidade urgente, pois o povoado onde mora fica a 120 quilômetros de Juazeiro e 96 de Campo Formoso. “Cerca de 190 jovens se formam por ano, mas, para isso, precisam se deslocar para a cidade e os que não podem se deslocar, infelizmente, ficam sem estudar”.
Essa realidade está em pleno processo de transformação na Bahia, conta a diretora de Inclusão e Diversidade da Secretaria da Educação, Tânia Miranda. “Este foi o primeiro Governo que incluiu como prioridade pública a educação para as comunidades quilombolas”.

Conquistas

A coordenadora de Educação para as Relações Étnico Raciais e Diversidade, Nádia Cardoso, disse que, mais do que implantar a Lei nº 11.645, de março de 2008, que define os conteúdos didáticos respeitando as especificidades dos afrodescendentes, a Secretaria da Educação do Estado (SEC) estabelece como compromisso político prioritário a educação para as relações étnico-raciais e a ampliação do efeito de políticas públicas educacionais de reparação e inclusão de negros e negras na escolarização formal na Bahia.

“Estas conquistas foram tardias, porém excelentes. Para nós, era muito ruim não estarmos em nenhuma esfera da sociedade, sendo considerados somente escravos”, afirma a presidente da Associação de Povos Remanescentes de Quilombos, do Distrito de Segredo, em Santos Soares, Rita Xavier, 48 anos. Ela já observa mudanças na sua comunidade. “Muitas pessoas já estão se aceitando mais, gostando do seu cabelo, da cor e de suas tradições e lutando por suas idéias”, diz

Formação

Em pouco mais de um ano, a SEC já capacitou cerca de três mil professores da rede estadual para a adoção dos novos conteúdos educativos focados no respeito à história e identidade dos afrodescendentes que ajudam a construir o país e cuja marca está gravada na cultura popular.

Em setembro, foi assinado um pacto de cooperação entre os governos federal, da Bahia e 89 municípios baianos. O objetivo é desenvolver políticas públicas de promoção à educação quilombola e também o de viabilizar acordos institucionais para a construção de escolas nessas comunidades.

A perspectiva é que essa parceria se amplie para a elaboração de material didático específico e do programa de formação continuada de professores, afirma a diretora de Inclusão e Diversidade da Secretaria da Educação, Tânia Miranda, alertando ainda para a necessidade do comprometimento dos governos e sociedade para reverter a difícil realidade das comunidades quilombolas, onde vivem afrodescendentes remanescentes de pessoas que lutaram contra a escravidão.

Histórico

A Bahia é o estado com o maior número de população quilombola do Brasil, com cerca de 500 comunidades distribuídas por praticamente todos os territórios. Dessas, 300 já foram certificadas pela Fundação Palmares, do total de 1.340 comunidades certificadas no Brasil.

A vida na maioria das comunidades quilombolas do país está submetida a situações de vulnerabilidade e insegurança, relacionadas, em grande parte, aos conflitos sobre a posse de terras e à precariedade da infraestrutura básica para a manutenção das condições de saúde, segurança e educação.

As escolas, geralmente, estão situadas longe das casas dos alunos e, muitas vezes, o caminho para se chegar até elas não é asfaltado, o que dificulta a caminhada. Além disso, a infraestrutura, a insuficiência de professores e a inadequação dos materiais didáticos para lidar com questões específicas da cultura e das histórias africana e afro-brasileira prejudicam o aprendizado das crianças e adolescentes.