Quase seis mil pessoas se reúnem nas ruas do Centro Histórico na tarde desta sexta-feira (4). São devotos de Santa Bárbara, para os católicos, e filhos de Iansã, para os fiéis do Candomblé. A festa, que rende homenagens à santa católica e à orixá ao mesmo tempo, já completa 135 anos. Desde 1874, as ruas da Baixa dos Sapateiros são tingidas de vermelho e branco em adoração à deusa da guerra, dos ventos, da tempestade. Para os católicos, a adoração é para a mulher que foi exemplo de fidelidade e firmeza, mesmo frente ao martírio.

Pelas ruas do Pelourinho, no Mercado de São Miguel e na Barroquinha, o samba e as batucadas tomam conta do cenário. A Boiada Multicor, coordenada pelo professor Jorge Conceição, segue pela Rua Gregório de Mattos e se apresenta pela primeira vez na festa de Santa Bárbara. “Esse ano entramos com o tema Santa Bárbara não gosta do aquecimento global, ela é do fogo sagrado, tântrico”, diz Jorge Conceição.

Mais à frente, no Largo do Pelourinho, o samba reina no palco principal. Os filhos de Iansã e simpatizantes distribuem fitas e se divertem com o show. “Eu sou filho de Iansã com Oxalá. Essa festa está linda, venho todos os anos”, afirma o fiel Carlos Alberto Santos, 52 anos.

A tradição da festa é antiga. Aos 82 anos, Dona Maria Bernadete da Conceição, uma das coordenadoras da paróquia de Santa Bárbara, é testemunha ocular de anos de homenagens. No 4 de dezembro, veste-se de vermelho e branco. No pescoço, carrega o símbolo maior do sincretismo religioso, as contas de Iansã e uma medalha das Devotas de Santa Bárbara. “Eu amo essa santa. Essa é uma tradição dos antigos, que vem dos antepassados e vai passando de pai para filho, de uns para os outros”, afirma, emocionada.

História – Santa Bárbara representa, para a Igreja Católica, fidelidade e firmeza, mesmo frente ao martírio. O voto de virgindade a impedia de casar-se com o prometido, escolhido por Maximino Dióscoro – o pai. A recusa em se converter aos deuses gregos rendeu-lhe a condenação à morte, cuja sentença foi cumprida pelo próprio Dióscoro.

Para o Candomblé, Iansã é a deusa da guerra. Reza a lenda que a orixá dos ventos, dos raios e da tempestade casou-se com Ogum, mas, encantada com o discurso do rei Oxaguiã, acabou fugindo para o seu castelo. Declarada guerra aos inimigos, Oxaguiã utilizou o casal que havia separado para forjar as armas utilizadas no combate.

A festa em homenagem a Santa Bárbara e Iansã já sofreu modificações. Os primeiros registros, em Salvador, datam de 1874. As barracas eram montadas no Mercado de Santa Bárbara, mas um incêndio, ocorrido em 1889, obrigou os donos a se instalarem em outro local. Foram então para a Baixa dos Sapateiros.
As mudanças na festa não param por aí. O local da missa também foi modificado ao longo dos anos. De acordo com reportagem de Anísio Feliz, publicada pelo Jornal da Bahia, em 4 de dezembro de 1968, até 1935, a missa acontecia na Igreja do Passo ou do Paço. Só a partir de então é que passou a ser celebrada na Ordem Terceira de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Pelourinho.

As homenagens à santa não ficam restritas apenas aos fiéis católicos ou do candomblé. Santa Bárbara é a padroeira também dos bombeiros. Prova disso é a missa realizada também no quartel do 1º Grupamento de Bombeiros Militares (GBM), com militares fardados em sinal de respeito à padroeira. Todos os anos, como manda a tradição, a festa, que é aberta com a Alvorada dos Fogos, no Centro Histórico e missa em Rosário dos Pretos, se encerra com o caruru de Santa Bárbara servido em frente ao 1º GBM, na Praça dos Veteranos, Barroquinha.

Primeira semana de dezembro é inteiramente dedicada a Santa Bárbara

A programação deste ano contou com o Tríduo entre os dias 1º e 3 de dezembro. No dia 4, a Alvorada dos Fogos, no Centro Histórico, abriu os festejos do dia oficial de homenagem à Santa Bárbara. Em seguida, uma missa campal celebrada no Largo do Pelourinho, na Igreja do Rosário dos Pretos, às 9h, seguindo em procissão pelas ruas do Centro Histórico, passando pela Baixa dos Sapateiros até o quartel dos Bombeiros, na Barroquinha, com o acompanhamento da Banda de Música Maestro Wanderley.

No 1º GBM, uma comissão de seis bombeiros com trajes oficiais de combate receberam a imagem da santa pelo interior do quartel. De volta às mãos da irmandade, a imagem é saudada com fogos e jatos de água, além da sirene das viaturas dos bombeiros. É o momento em que os fiéis, de vermelho e branco, são abençoados. Só então a multidão volta ao Mercado de Santa Barbada, na Baixa dos Sapateiros.

A festa, no entanto, não parou com o cortejo oficial. As ruas do Pelourinho receberam shows durante o dia, com muito samba e apresentações de capoeira. As atrações itinerantes deste ano incluíram o Cortejo Maracatu da ONG Acasa, os Meninos do Pelô, a Boiada Multicor e o Swing do Pelô.

Já a programação musical contou com Jorginho Comancheiro, Grupo Terra Brasilis, Juliana Ribeiro, Alísio Menezes e Portela, Samba de Barbinha, Pagobanda, Band’Afro Detona, Walmir Lima, A Mulherada, Aquarela do Samba e Neto Balla e Profissão Samba.

Os shows, com exceção de Neto Balla e Profissão Samba, foram gratuitos e iniciaram a partir das 14horas desta sexta-feira, distribuídos entre as ruas do Centro Histórico, o Largo do Pelourinho, o Mercado São Miguel, o Terreiro de Jesus, e os largos Pedro Arcanjo, Tereza Batista e Quincas Berro D’Água.