Ainda com pouca tradição em variedades de expressões culturais, o circuito Dodô, mais novo dentre os três existentes, assistiu ao desfile de dez trios sem cordas do Carnaval Pipoca e de blocos de matriz africana apoiados pelo programa Ouro Negro.

Com a consolidação dos programas Carnaval Pipoca e Ouro Negro, a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult) contribuiu para a diversificação da festa entre Barra e Ondina, garantindo espaço para múltiplos estilos musicais, para os foliões pipoca e também para um dos mais belos elementos do carnaval de Salvador, a identidade afro.

Pelo segundo ano consecutivo, o programa Carnaval Pipoca, que busca oferecer qualificadas opções para o folião pipoca, movimentou a festa. De sexta a terça-feira (12 a 16), com dois trios a cada dia, a ação contemplou tribos diversas, motivou a presença de foliões, deu visibilidade a artistas de várias vertentes e, ainda, cumpriu a função de desafogar o tráfego de entidades na avenida. O público assinou embaixo e reconheceu o programa como uma iniciativa importante e bem-sucedida.

O início da programação, na noite de sexta-feira, foi com o Axé Anos 80, que se definia como o trio de quem tem história pra cantar. No comando, Alexandre Leão, Márcia Short e Buk Jones, três importantes nomes da música do carnaval soteropolitano, reviveram a sonoridade do Axé da década de seu surgimento. Depois foi a vez do trio Elza Pede Passagem, que marcou a estreia da dama Elza Soares no carnaval de Salvador, acompanhada dos baianos da Sambatrônica e da cantora Marcela Bellas.

No sábado, a história da Axé Music foi a grande estrela. Os foliões-pipoca curtiram o gênero musical que está completando 25 anos com dois grandes mestres. Primeiro, foi o cantor e compositor Gerônimo, que estava ao lado da sua banda, a Mont’Serrat, e das cantoras Márcia Short e Mariene de Castro, puxando o trio Axé do Axé. Ainda de dia, todo o desfile se deu em clima ameno, perfeito para que se mostrasse, de fato, a energia positiva que o gênero tem.

Horas depois, por volta da meia-noite, o pai da Axé Music, Luiz Caldas, vestido a rigor, pôs-se diante de um microfone de estilo retrô em trio elétrico batizado com seu próprio nome. Resgatando histórias e canções, Luiz fazia homenagem a Orlando Tapajós.

Domingo

O domingo foi dia de Tributo a Ramiro Musotto, com BNegão, Baiana System e Lucas Santtana, em homenagem ao músico, produtor e compositor argentino que morreu em 2009, vítima de câncer. Também estava no trio a Afrosudaka, banda do homenageado, e o músico Mincho Garramone, parceiro e conterrâneo de Ramiro. A mistura de guitarra baiana com música eletrônica, batucadas, sopros e rap resultava em sons que tinham elementos de dub, lambada, hip hop, marchas, samba e reggae.

“Muitas pessoas ainda estranham a presença de outros estilos no carnaval, mas vim este ano com mais segurança em relação a isso. Este projeto do Governo é algo nunca visto e o trabalho com a diversidade é importante para que, quem sabe, não haja mais estranhamento nos próximos carnavais. É preciso misturar sem medo”, disse Russo, vocalista da banda Baiana System.

Russo já havia estado sobre um trio elétrico no ano passado, na primeira edição do Carnaval Pipoca, e é defensor da folia sem cordas. “O palco aqui é do folião. O carnaval ainda quem faz é o folião”. O rapper carioca BNegão também se mostrou satisfeito. “A ocupação deste trio é uma das provas de como o carnaval de Salvador está rompendo preconceitos”.

Novos Baianos resgatam sucessos antigos do carnaval baiano

Logo após a meia-noite, um dos mais aguardados trios deste carnaval fez a alegria de fãs e foliões. Os Novos Baianos, representados por Baby Consuelo e Paulinho Boca de Cantor, arrastaram a pipoca até o fim do trajeto, sem se importarem com a chuva que caiu no caminho. A execução de sucessos antológicos fez o esperado: a multidão cantou junto, dançou, pulou e pediu bis.

Na passagem pelo camarote Expresso 2222, Gilberto Gil também entrou na brincadeira e participou do show. Baby e Paulinho fizeram ainda muitas referências a Dodô e Osmar, por conta dos 60 anos do trio elétrico. Algumas histórias foram contadas, num desfile que prezou pelo resgate das memórias da música baiana.

No penúltimo dia de carnaval, ao fim da tarde, o Trilogia do Reggae trouxe as batidas típicas deste gênero universal e contagiante. Dionorina, Gilsan e Jorge de Angélica, artistas de referência do estilo na Bahia, são de Feira de Santana e fazem o chamado reggae de raiz.

“Este é o carnaval da diversidade autêntica. O carnaval e a música da Bahia são muito mais do que tem sido mostrado”, disse Gilsan ao microfone. Depois, por volta das 22h, foi dada a largada do desfile do Retrofolia, que entrou no Carnaval Pipoca pela segunda vez. Em cima do trio, os Retrofoguetes, banda anfitriã, estavam acompanhados dos guitarristas Julio Moreno e Robertinho Barreto, somando três guitarras baianas em ação.

Também estava lá o grupo La Pupuña, de Belém, representando a guitarrada paraense. No repertório, marchinhas, frevos, canções carnavalescas, sucessos do trio elétrico Armandinho, Dodô & Osmar e músicas autorais.

Na pipoca do Retrofolia, estavam presentes o maestro Letieres Leite e o baixista Joe, integrante da banda da roqueira Pitty, que também tocou em trio do Carnaval Pipoca neste carnaval. “Sou suspeito para falar, mas isso aqui é massa”, comemorou Joe. Segundo ele, o carnaval não precisa de cordas, mas sim de pluralidade.

“Não acho que o carnaval deva ser segmentado, com um espaço de rock fora dos circuitos, por exemplo. A gente quer vir aqui curtir também. Além do mais, é bom que o grande público se depare com isso e veja que existe uma outra cena, que é muito bacana e produtiva, na música baiana. Estou adorando!”.

No dia do encerramento, os sons de identidade negra desfilaram com brilho na avenida. Se alguém havia duvidado de que a diversidade de estilos musicais pudesse ser compatível com o evento, os trios QuilombolaSoul e Sistema de Som Perambulante deram a cartada final de que existe uma múltipla lista de ritmos que também são a cara da festa.

Vinicius de Moraes e Jovem Guarda 

O cantor Dão e sua Caravanablack fizeram black music com elementos de reggae, soul, samba, xote e rock. No repertório, até canções de Vinicius de Moraes e de Roberto Carlos, da época da Jovem Guarda, ganharam uma pitada afro. Revezando-se entre o palco e o chão com a pipoca, os 14 integrantes do Samba Chula de São Braz, distrito de Santo Amaro da Purificação, também faziam a festa, com a tradição do samba de roda, suas típicas baianas e cânticos.

Gerson King Combo, chamado de James Brown brasileiro, levou a soul music para um verdadeiro baile black no carnaval. Para completar, DJ Bandido, artista de formação popular, com forte relacionamento com comunidades do subúrbio, fez um set que seguia o clima dos parceiros de palco.

Para fechar com chave de ouro, BNegão estava de volta, desta vez com MC Daganja e Ministereopúblico, à frente do trio Sistema de Som Perambulante. A base do som que se apresentava era também de identidade negra, relacionada a movimentos sociais e lutas de inclusão.

Reggae, dub, hip hop, rap, funk e samba reggae davam o tom para os improvisos do MC Daganja em diálogo com a plateia, construindo aquelas falas rimadas que se assemelham ao repente. A pipoca era firme e participativa e mostrava em gestos e atitude o pertencimento às comunidades que estavam sendo representadas.

Ouro Negro 

Cinco entidades apoiadas pelo programa Ouro Negro – A Mulherada, Cortejo Afro, Filhos de Gandhy, Filhas de Gandhy e Banana Reggae – marcaram presença no circuito Dodô. Na rua, os ritmos percussivos, as coreografias, as fantasias e discursos que integram não apenas a festa, mas também um posicionamento social afirmativo. A Mulherada, por exemplo, defende os direitos da mulher afrodescendente e desenvolve ações de combate à discriminação racial e de gênero.

O programa de fomento Carnaval Ouro Negro apoia pelo terceiro ano consecutivo o desfile de blocos de matriz africana. Neste ano, 120 entidades, entre afoxés, blocos afro, de índio, de samba, de reggae e de percussão, foram contempladas com recursos entre R$ 15 mil e R$ 100 mil, num total de R$ 4,96 milhões. O Programa também inclui cursos de formação em gestão cultural e a publicação de um catálogo bilíngue com 128 entidades de matriz africana mapeadas pelas inscrições dos últimos três anos. O download do catálogo pode ser feito no site www.carnavalouronegro.com.br.