Uma intervenção cirúrgica para tratar de um caso raro foi realizada nesta sexta-feira (23) no Hospital Geral Roberto Santos (HGRS). A paciente, M.S.A.S., 43 anos, é portadora da Doença de Madelung, uma enfermidade incomum. Até hoje, foram relatados cientificamente apenas 200 casos em todo o mundo. Depois de quase 40 anos sofrendo da doença, ela somente foi diagnosticada há uma semana, quando desmaiou e foi conduzida ao HGRS.

A doença, também conhecida como lipomatose simétrica múltipla, é caracterizada por acúmulo de gordura geralmente localizada ao redor dos ombros e pescoço. No caso de M.S., os lipomas cresceram excessivamente também na região cervical (costas), e já começam a se espalhar pelos quadris.

De acordo com o médico Pedro Villar, oncologista com ênfase em cirurgia, o caso de M.S. é ainda mais raro, por não se enquadrar nos parâmetros comuns observados na Doença de Madelung. “Esse tipo de doença é mais comum entre homens, entre alcoolistas e entre os que fazem uso de medicação para combater o vírus HIV. Ela não se encaixa em nenhum desses perfis”. Ainda segundo Villar, a doença, relatada pela primeira vez por volta de 1848, por um médico da Turquia, é mais frequente naquela parte do mundo. A filha mais velha de M.S., Maria Patrícia, diz que a avó materna tem parentesco com turcos.

Villar, responsável pela cirurgia à frente de uma equipe composta também por dois médicos residentes, uma anestesista e uma instrumentadora treinada na Escola de Instrumentação Cirúrgica do próprio HGRS, define o procedimento a que M.S. foi submetida como uma cirurgia plástica de ressecção – extração de uma parte de um tecido ou de um órgão – feita em duas etapas. Primeiro, a retirada dos lipomas gigantes dos ombros e braços. Na segunda etapa, a retirada dos lipomas da região cervical, que deverá acontecer daqui a duas semanas.

Entusiasta do trabalho com os pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde), Villar, de 35 anos, considera interessante sua atuação no Hospital Roberto Santos pela oportunidade de lidar com casos raros, como o de M.S. “Como o HGRS é fim de linha, a maioria dos pacientes já foram a vários lugares. Em casos assim, raros ou mais complicados, há dois aspectos: o interesse acadêmico e o lado humano. Eu, particularmente, tenho muita satisfação de `consertar gente`”, afirmou.

Vida nova
M.S., paraibana de São José de Piranhas e residente há 20 anos na Bahia, em Irecê, começou a apresentar os primeiros sinais da doença aos cinco anos de idade. Os lipomas – tumores benignos caracterizados por acúmulo de tecido gorduroso – foram crescendo e esse crescimento se intensificou nos últimos dois anos. “Eu me olhava todos os dias no espelho, e via que estava crescendo. Fui muitas vezes ao médico em Irecê, mas nunca me pediam exames, não sabiam dizer o que eu tinha”.

Mãe de duas filhas, com 21 e 26 anos, e com duas netas de seis e dez anos, M.S. conta como sofreu com a doença ao longo da vida. “Já trabalhei em roça e nas casas das pessoas, hoje não posso trabalhar. Isso pesa muito e incomoda, de noite, dói as costas, parece que levei uma surra. Mas aqui no Roberto Santos fui bem atendida, os médicos são educados, ouvem a gente. Espero ficar boa. Finalmente, vou ter uma vida”, disse M., que chegou ao HGRS às 6h da manhã, bem antes do horário marcado para a cirurgia, que começou no início da tarde.