Quem nunca ouviu a máxima que “a farda impõe respeito?” Infelizmente, ainda hoje, a autoridade só se faz valer quando quem a veste é do sexo masculino. Mesmo incorporada há 21 anos, a presença da mulher na Polícia Militar da Bahia ainda é marcada pela violência institucional, doméstica e discriminação por uma parcela da sociedade. Para oferecer apoio e assistência psicossocial ao maior contingente feminino do país, em termos proporcionais, elas contam com o Centro de Referência Maria Felipa.

Fundado em março de 2006, o único centro deste tipo no Brasil, que já atendeu cerca de 50 casos, desenvolve estudos relativos à saúde ocupacional da policial, combate todas as formas de discriminação, realiza palestras, seminários, atua em apoio ao projeto Polícia Cidadã, e trabalha questões sobre tipos de violência, sobretudo, a doméstica e sexual. Atualmente, a equipe é formada por um núcleo jurídico, assistente social e psicóloga. Localizado na rua Conselheiro Spínola, 16, Barris, o centro atende das 8 às 18h, de segunda a sexta, e é voltado também para as esposas, filhas e companheiras de policiais.

“Trabalhamos com a melhora da autoestima, com a utilização de uma sala de cuidados, que seria um apoio estético tanto de policiais quanto da comunidade. Nossas maiores demandas se referem à violência doméstica. Fazemos inicialmente um acolhimento, com triagem, e o suporte psicológico é dado imediatamente”, esclarece a assistente social Patrícia Sanches.

De acordo com a coordenadora e fundadora do Centro Maria Felipa, capitã Denice Santiago, avanços como a ressignificação do efetivo feminino dentro da corporação já são percebidos. Em 2011, existe uma proposta no final do Carnaval, que termina no Dia Internacional da Mulher, de um movimento nas ruas da capital para homenagear todas as mulheres. “Este ano, também serão criados observatórios do segmento feminino relacionadas ao gênero, raça e à intolerância religiosa em Paulo Afonso, Barreiras e Juazeiro, com o objetivo de monitorar ações relacionadas à atividade policial”.

Medidas articuladas

Para amparar estas mulheres vítimas de violência e coordenar medidas articuladas nos três níveis de governo, é importante ter um acompanhamento monitorado por uma rede de serviços para mulheres, constituída por varas especializadas, Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (Deams), centros de referência, Casa Abrigo, núcleos de atendimento e Centros de Referência em Assistência Social (Cras), além de serviços de saúde.

A titular da Deam do Engenho Velho de Brotas, Cely Carlos da Silva, explica que o enfretamento à violência é refletido no aumento de número de casos registrados. No ano passado, foram registradas mais de 9 mil ocorrências de violência contra mulheres, independentemente da posição social, financeira ou cultural. No início deste ano já foram notificados mais 400 casos.

“O aumento das ocorrências é fruto do encorajamento das mulheres. Antes elas não tinham uma legislação tão forte como a Lei Maria da Penha. Hoje, contam com as medidas protetivas, prisão em flagrante e preventiva, e o autor sabe que não vai ficar impune. Registrada a denúncia, o inquérito não pode ser arquivado, mesmo que ela desista”, acrescenta Cely da Silva.

A delegada destacou que a violência passa por um ciclo. No primeiro momento, o autor comete agressões leves, na segunda etapa culmina em lesões corporais, ou até na morte, da parceira e, por último, a fase de reconciliação, com tentativas de reconquistar aquela mulher. “Pouco tempo depois, a violência volta a acontecer”, explica a titular.

A sargento Sheila Amarante, 30 anos, uma das 4.198 policiais femininas do estado de um universo de mais de 30 mil homens, ressalta que as mulheres não nasceram para sofrer violência doméstica. Há 12 anos na Polícia Militar, ela foi casada oito anos com um policial, que praticava violência psicológica e física. No centro, ela foi recebida depois de assistir uma palestra sobre violência doméstica na Uneb.

“Quando cheguei, a equipe multidisciplinar transmitiu um sentimento de segurança. Estava muito fragilizada e toda estrutura foi essencial para buscar coragem e ir até o fim. Denunciei o meu agressor e hoje já separada me considero uma agente multiplicadora da não-violência”, contou Sheila.