Primeira da América Latina, a Biblioteca Pública do Estado da Bahia completa 200 anos junto com o bicentenário do primeiro jornal brasileiro, o Idade d’Ouro, e está em processo de modernização. A unidade comprou, com recursos próprios, máquinas, equipamentos e sistemas para a gestão informatizada do acervo, e disponibilizará o acesso via web a qualquer obra disponível, quando o processo de digitalização estiver concluído.

Segundo o diretor da Fundação Pedro Calmon, Ubiratan Castro, são duas datas para o bicentenário. A primeira é 13 de maio de 1811, quando foi criada a biblioteca, com o nome de Livraria Pública da Bahia. A outra é o 4 de agosto do mesmo ano, quando a unidade começou a funcionar e a emprestar livros. “Nós vamos celebrar as duas datas – o começo legal e o começo na prática”. Clique aqui e veja a programação completa das comemorações.

No próximo sábado (14) será o bicentenário do primeiro jornal brasileiro. “Se a gente não considerar o Diário Oficial de Dom João VI, que era uma publicação administrativa, o primeiro jornal lançado no Brasil foi o Idade d’Ouro, impresso na tipografia de Manoel Antônio Serva, a primeira do Brasil. É o começo da indústria gráfica e também do jornal”, explica Castro.

O Idade d’Ouro, cuja edição digitalizada será lançada em comemoração aos bicentenários, e outras publicações raras fazem parte do acervo da Biblioteca Pública, dirigida pela Fundação Pedro Calmon, vinculada à Secretaria de Cultura do Estado (Secult). São mais de 600 mil itens, dos quais 150 mil são livros, além de vídeos, imagens, obras de arte, documentos históricos, periódicos e publicações raras e valiosas. 

Importância histórica
Para Castro, a implantação da Biblioteca Pública na Bahia e o lançamento do primeiro jornal são o mesmo processo de modernização alcançado pelo País após a mudança da família real para o Brasil, que deixou de ser colônia. “A Biblioteca, há 200 anos, era uma abertura para o conhecimento do mundo. A colônia, naquela época, não podia ter uma biblioteca para não se deixar contaminar pelas idéias libertárias da Europa”.

Quando a colônia passou a ser Reino Unido, informa Castro, começaram a vir investimentos na estrutura do Estado do Brasil, a exemplo da implantação da Faculdade de Medicina, na Bahia, a Escola Militar, no Rio de Janeiro, e a Casa da Moeda. Com esta mudança de Dom João VI começa-se a construir o Estado Brasileiro e esta biblioteca faz parte deste processo.

Digitalização 
Para a digitalização do acervo foi comprada recentemente uma máquina Planetária, alemã. Ubiratan Castro diz que estão sendo escolhidos os primeiros lotes, que serão digitalizados e microfilmados, e há também um projeto, em parceria com a Brasiliana USP, orçado em R$ 5 milhões, para a implantação de um centro de digitalização na Bahia.

“Queremos montar um grande centro, capaz de digitalizar não somente aquilo que é da Biblioteca Pública, mas também todo acervo que pertence à Santa Casa de Misericórdia, ao Instituto Histórico, enfim, aos grandes acervos”. Para o diretor, a digitalização é fundamental, pois conservará o acervo original, e toda a movimentação de acesso, manuseio e consulta será feita via digital.

Além de democratizar o conhecimento e dar acesso aos documentos para o mundo inteiro, continua Castro, a digitalização é uma forma de assegurar mais alguns séculos de vida útil ao acervo. “O pesquisador não precisará mais manusear o papel, o que por séculos deixou vários documentos em frangalhos, e agora precisam ser recuperados”.

A subgerente de obras raras, Célia Maria de Almeida Matos, afirma que os livros mais antigos da biblioteca são um estudo de mitologia, datado de 1581, editado em Veneza, e outro de 1585, de Medicina Homeopática. “A digitalização é uma coisa que a gente tem que usar de imediato, não somente nas obras dos séculos XVI, XVII, mas principalmente nas dos séculos XIX, XX, que têm papel mais industrializado e sofre mais a ação do tempo”.

Acervo é composto por 60 mil obras consideradas valiosas

A diretora da biblioteca, Kilma Alves, avalia que são poucas as instituições brasileiras, públicas ou privadas, que ao longo de 200 anos permanecem de portas abertas. “Nós temos aqui um setor importantíssimo, de obras valiosas, com 5,5 mil obras raras, um total de 60 mil exemplares de obras tidas como preciosas e valiosas”.

Ex-zagueiro central do Vitória nos anos 60, José Carlos da Silva é um frequentador assíduo da Biblioteca Púbica do Estado da Bahia. “Tem vez que eu venho pela manhã e só volto à noite. Aqui, você encontra de tudo o que o se queira. A vida antiga, dos escravos, de Napoleão Bonaparte, de Castro Alves, dos negros, como sofreram, informações sobre a Independência do Brasil. É uma casa formidável”.

A estudante de letras Ana Eliza Albuquerque, 24 anos, é do Rio de Janeiro e também se encantou com a riqueza da Biblioteca Pública baiana. “Desde que cheguei, eu amei. Eles têm um acervo incrível, um ambiente de pesquisa muito bom. Tudo o que eu procuro, eu consigo encontrar para trabalhos de faculdade ou para a empresa onde eu trabalho”.

Os deficientes visuais, mesmo com suas limitações, também encontram na biblioteca uma excelente oportunidade para ter acesso ao conhecimento. É o caso da professora de história Joselita Souza, 33 anos, que utiliza o espaço até aos domingos. “Encontro pessoas que podem ler meu material e digitar. Conto com um grupo de voluntários que faz um trabalho muito importante, até porque eu não penso na minha caminhada sem estes voluntários. Também acho que os funcionários do setor braile ajudam muito”.

Meta é transformar a unidade em Biblioteca Nacional

Com espaço para exposições, eventos, oficinas e apresentação de filmes e teatro, o Governo do Estado e a Fundação Pedro Calmon buscam agora o status de Biblioteca Nacional para a Biblioteca Pública baiana. “Ser uma biblioteca nacional não significa que ela concentre nem a maioria nem as melhores obras. Esta concepção centralista já foi quebrada, inclusive porque o diretor da Biblioteca de Brasília, que vem fazer a conferência, rompeu com esta história de que a Biblioteca Nacional é a do Rio de Janeiro. Brasília é a capital do Brasil, e a biblioteca de lá também é a biblioteca nacional”, argumenta Ubiratan Castro.

Segundo o diretor, a unidade tem o caráter também de biblioteca nacional “na medida em que a Bahia foi por mais de 200 anos a capital do Brasil. A documentação colonial mais rica do País está no nosso arquivo público”. Ele afirma, no entanto, que ainda falta um aspecto importante. “Nós só vamos partir para a briga mesmo quando conseguirmos chegar a um padrão de modernidade, quando a biblioteca estiver toda automatizada, toda digitalizada, com os acessos franqueados a toda à população mundial”.