Mais de sete mil pessoas da região norte da Bahia, no Território de Identidade de Itaparica, participaram da IV Caravana Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil, que começou no dia 21 deste mês, na cidade de Rodelas, passou por Abaré, Chorrochó, Macururé, Glória, e foi encerrada nesta terça-feira (29) em Paulo Afonso.

Em cada um dos municípios, a caravana promoveu uma caminhada que reuniu crianças e adolescentes alunos de escolas da rede pública de ensino. Eles circularam pelas principais ruas das cidades distribuindo panfletos e usando carro de som para convocar a população para lutar pelo fim do trabalho infantil. Após as caminhadas, houve reuniões ampliadas onde os gestores municipais apresentaram o diagnóstico do trabalho infantil na cidade, as ações que são feitas para combater o problema e reafirmaram o compromisso com a luta.

Segundo a secretária interina de Desenvolvimento Social do Estado, Mara Moraes, coordenadora das ações de erradicação do trabalho infantil na Bahia, as caravanas criam ambiente para a discussão do problema com os pais, os gestores e as crianças. “É um trabalho que tem o papel de mobilizar, de sensibilizar, que tenta quebrar os mitos por trás do trabalho infantil”.

Uma dos efeitos da caravana é levar às crianças das cidades, onde passa a mensagem, de que elas não devem trabalhar. “Isso torna as crianças multiplicadoras da luta. Com certeza, elas saem daqui fortalecidas, com mais informação e vão levar isso para toda a vida”, avalia a professora Maria Anunciação, que participou da caminhada em Paulo Afonso.

Cada prefeitura que participa da Caravana recebe um catavento, instituído pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como símbolo do combate ao trabalho infantil.

Diagnóstico indica onde as crianças trabalham

Como parte das ações da caravana, os municípios que participam da atividade realizam um estudo-diagnóstico do trabalho infantil em seu território. Nas semanas que antecedem o evento, agentes sociais e de saúde se mobilizam para levantar informações sobre quantas são e onde estão as crianças que trabalham.

Segundo a coordenadora da caravana, Ângela Gonçalves, o trabalho é feito por amostragem e com entrevistas nos locais considerados mais vulneráveis, o que permite verificar as características do problema em cada município. De acordo com ela, o que foi observado depois de quatro caravanas é que as crianças ainda são cooptadas para o trabalho nas mais diversas atividades.

“Encontramos e fotografamos crianças trabalhando em feiras, onde descarregam mercadorias, atuando como vendedores ambulantes, em oficinas de automóveis, na construção civil, na lavoura, no serviço doméstico e até em estabelecimentos comerciais”. Os números da IV Caravana mostram que foram encontradas 1.680 crianças trabalhando no território. Dessas, 39% estão na lavoura e 35% no serviço doméstico, as duas atividades que mais recrutam crianças.

Todas as crianças encontradas trabalhando pela caravana são registradas no Cadastro Único (CadÚnico) do Ministério do Desenvolvimento Social. As famílias passam a integrar programas de transferência de renda enquanto meninos e meninas são inseridos no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Os municípios também passam a receber recursos federais e estaduais destinados à implementação de ações sociais no horário oposto ao da escola, evitando que as crianças voltem ao trabalho.

Experiência baiana será adotada pela OIT na África

A realização de caravanas de mobilização pelo fim do trabalho infantil é uma ação baiana pioneira no país. O sucesso da iniciativa foi reconhecido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que participa do programa desde a sua concepção. Agora o modelo está sendo reproduzido no Nordeste e foi exportado para os países africanos de língua portuguesa.

De acordo com o coordenador do programa internacional para a eliminação do trabalho infantil da OIT, Renato Mendes, a caravana é uma metodologia inovadora de mobilização social, que cria condições para a implementação de políticas de erradicação do trabalho infantil nos municípios. “Nós estamos acompanhando e sistematizando essa boa prática, que levamos a outros lugares do país, e agora para a África”.

O sucesso alcançado pela Caravana na Bahia fez com que a OIT usasse a experiência em estados do Nordeste. No dia 4 de junho, será encerrada em Salvador a Caravana Nordeste pela Erradicação do Trabalho Infantil, que seguiu o modelo baiano, começou no Ceará e passou por todos os estados da região. Depois do Nordeste, a mobilização seguirá para Angola, o primeiro país africano a adotar a ação.

De acordo com Iara Farias, assessora especial da Secretaria para Assuntos Internacionais e da Agenda Bahia, a experiência baiana foi apresentada durante seminário organizado pela OIT, em Cabo Verde, e chamou a atenção dos países africanos de língua portuguesa, que resolveram adotar a ação.

“Toda a experiência acumulada pelas caravanas realizadas pela Sedes na Bahia e pela Caravana do Nordeste serão passadas a autoridades africanas, durante o encontro na capital baiana. Eles realizarão suas caravanas e, em outubro de 2013, voltam ao Brasil para participar do Fórum Global de Erradicação do Trabalho Infantil, em Brasília.”

Trabalho compromete saúde e formação intelectual das crianças

Sem estrutura óssea, muscular e sistema nervoso completamente desenvolvidos, os pulmões em fase de crescimento, o coração trabalhando em ritmo mais acelerado que os adultos, a pele mais sensível, o equilíbrio e a coordenação motora em fase de aperfeiçoamento são condições que tornam as crianças muito mais suscetíveis a sofrerem problemas de saúde decorrentes do trabalho. Elas estão mais expostas a casos de intoxicação, disritmia cardíaca, entorses, lesões musculares e ósseas, entre outras doenças.

Levadas para trabalhar quase sempre pelas famílias, as crianças são vítimas de um traço cultural ainda muito forte nas comunidades onde vivem. É comum os pais acreditarem que o trabalho educa e prepara melhor para a vida adulta. Para os especialistas, na verdade, o que acontece é justamente o contrário.

Segundo a procuradora do Ministério Público do Trabalho, Sandra Faustino, “o trabalho tem consequências graves na vida da criança. Não frequenta a escola ou, se frequenta, não tem o aprendizado como deveria. Com o tempo, se afasta da vida estudantil e vira um adulto não qualificado, que terá grande dificuldade para trabalhar porque não se preparou para o mercado, cada vez mais exigente”.