A desembargadora Sara Brito, que foi militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e ficou presa quase três anos durante a ditadura militar, prestou depoimento nesta terça-feira (29) à Comissão Estadual da Verdade da Bahia (CEV-BA). Ela narrou o sofrimento de viver na clandestinidade quando era procurada pela repressão no Rio de Janeiro. “Correndo de um lugar a outro e usando nome fictício, cheguei a ir para o interior. Foram me procurar até na casa de um tio que morava em Vitória (ES)”.

Na audiência aberta ao público, que contou também com a presença do ex-governador Waldir Pires, foram prestados ainda os depoimentos dos jornalistas Nelson Cerqueira e Oldack Miranda. Criada em dezembro de 2012, por meio do Decreto Estadual 14.227, a comissão já ouviu 47 pessoas vítimas do regime militar, em Salvador e Feira de Santana, e recebeu cerca de 600 documentos comprovando violações aos direitos humanos.

“Dias horríveis”

Uma das mais atuantes líderes femininas do movimento estudantil, Sara Brito foi presa inúmeras vezes. Em 1968, no último ano do curso de nível superior, teve a matrícula cassada e foi expulsa da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Ela conseguiu concluir o bacharelado, em 1969, na Faculdade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, retornou a Salvador, no mês de janeiro de 1972, e cinco dias depois foi presa. Sara Brito recorda que passou uma semana nas dependências da Polícia Federal – “dias horríveis” – e depois foi levada para a antiga Casa de Detenção, no Largo de Santo Antônio, onde ficou até setembro de 1974.

Emocionada, a desembargadora falou dos amigos, que “deram sua vida pelo fim do regime militar e para que possamos viver hoje num estado democrático de Direito”, a exemplo de Rosalindo Souza, que morreu na guerrilha do Araguaia, em 1974.

Manchete censurada

O escritor e jornalista Nelson Cerqueira era o plantonista no Jornal da Bahia, na madrugada de 1º de abril de 1964, quando foi surpreendido pela invasão de tropa do Exército na redação e oficinas do matutino. “Essa manchete não existe”, disse um oficial do Exército ao ver a prova da primeira página já montada – “Rebelião contra o governo” era a manchete. Segundo ele, o oficial ditou outro título que deveria ser publicado, “A Nação que se salvou a si mesma do jugo comunista”.

Nelson Cerqueira argumentou que não poderia mudar a manchete porque o título proposto era muito longo e não cabia no espaço do anterior, de apenas três palavras. “Então tira isso daí”, retrucou o oficial, e o Jornal da Bahia foi para as bancas com o espaço da manchete em branco e os claros onde deveria haver texto de notícia.

De acordo com ele, o Jornal da Bahia foi o primeiro, em todo o país, a sofrer “censura física” do regime militar. O jornalista relatou ainda casos referentes à presença de censores nas redações e de interferência direta do superintendente regional da Polícia Federal, coronel Luiz Arthur de Carvalho, após o primeiro dia do golpe militar.

“Pau-de-arara”

O jornalista Oldack Miranda, que militou no movimento Ação Popular (AP), também prestou depoimento nesta terça-feira à CEV-BA e contou detalhes de sua prisão e da tortura. Ele afirmou ter sido dependurado no pau-de-arara pelos torturadores, que fixaram fios em sua genitália e ligaram a maquininha de choques. “Uma coisa indescritível”.

Ele foi para a clandestinidade após ser procurado pela repressão. No Vale do Jaíba, norte de Minas Gerais, trabalhou durante oito meses, organizando posseiros. Em 1969, foi deslocado para a mata do Vale do Pindaré Mirim, no Maranhão, onde ficou até 1971, com o objetivo de organizar camponeses em sindicatos rurais.

Oldack retornou a Salvador, em setembro de 1971, voltando a conviver com a família. Foi condenado à revelia, em Juiz de Fora (MG), a seis meses de reclusão, no dia 28 de abril de 1972, após inquérito policial militar (IPM) instaurado em Belo Horizonte, junto com a companheira Solange Soares Nobre. Ele se apresentou e cumpriu a pena na Penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora.

Já em liberdade, decidiu morar na capital baiana e, em outubro de 1973, foi preso por hospedar um militante clandestino da Ação Popular, levado para o Forte do Barbalho e depois para a sede do DOI-Codi em Recife (PE), permanecendo sob tortura durante quatro meses. O hóspede dele, José Carlos da Mata Machado, acabou preso e assassinado sob tortura. Oldack Miranda foi julgado e absolvido. Em 24 de outubro de 2013, a Comissão de Anistia e Reparação do Ministério da Justiça deferiu seu requerimento de Anistia e Reparação.