O segundo dia do Seminário Nacional Mulher e Cultura, realizado nesta quarta-feira (29), começou com a mesa institucional formada pela secretária de Políticas Culturais do Ministério da Cultura (MinC), Márcia Rollemberg, representando a ministra de Cultura, Marta Suplicy; a secretária estadual de Políticas para as Mulheres (SPM-BA), Vera Lúcia Barbosa; e a coordenadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres da Universidade Federal da Bahia (NEIM-Ufba), Rosângela Araújo. O evento acontece até sexta-feira (31), no Complexo Cultural dos Barris, em Salvador.

A secretária Márcia Rollemberg apresentou as políticas culturais do governo federal, editais lançados pelo Ministério nos últimos anos e destacou a importância do evento para as políticas culturais em prol das mulheres. “Esse primeiro encontro serve de base para articularmos uma rede de pensar políticas culturais para as mulheres e a partir disso elaborar um documento que traduza as diversas atitudes e produção de cada cultura", frisou.

Rollemberg falou ainda sobre o Sistema Nacional de Cultura. “Consolidar as políticas de cultura que envolvam os municípios é fazer um importante pacto de cidadania e de diversidade cultural para a sociedade. E isso tem de ser feito numa rede solidária de serviços, conhecimento e de participação social, pois estas bases fortalecem o circuito e as ações de reconhecimento das produções artísticas”, afirmou.

Tradição e contemporaneidade

Na continuidade, a primeira mesa de debate, com o tema ‘Mulher, Tradição e Contemporaneidade’, teve a participação da cacique Maria das Dores Florêncio, da Aldeia Juerana, em Coroa Vermelha-Bahia, atuante na luta pela garantia dos direitos dos povos tradicionais e seus territórios. A cacique é presidente do Conselho de Caciques Pataxó e Tupinambá e integra o Conselho de Saúde Indígena de Porto Seguro, no extremo sul da Bahia. “Os livros didáticos contam a nossa história de forma equivocada, inclusive, afirmam que o povo pataxó foi todo dizimado, entretanto, eu sou um deles”. Na questão territorial, a cacique falou dos desdobramentos da demarcação do território onde vive. “O meu marido morreu, sou cacique há nove anos, já lutei muito, mas não estou cansada. Um dia os tratores chegaram e derrubaram as nossas casas e deixaram tudo destruído, quando vi aquilo fui à luta pelo direito do meu povo, pois estavam entrando num espaço que não é deles”, lembrou.

Intermediando a Mesa, a indígena tupinambá do Território Sul da Bahia e membro do Conselho e da Articulação Indígena do estado, Nadia Akuã enfatizou que não se pode falar de oralidade sem se tratar da tradição cultural do povo indígena. "Nós mulheres precisamos sempre reafirmar o nosso gênero e a nossa função, porque, para a mulher indígena a coisa não é muito simples, já que estamos buscando e conquistando espaço na sociedade. A cultura e o conhecimento são as nossas bases, que referendarão as nossas inserções tanto na cultura como na educação”.

Por motivos de saúde, a yalorixá Beata de Iemanjá (RJ) não pôde comparecer ao evento, no qual seria uma das debatedoras, e foi representada pelo seu filho, Aderbal Ashogun, que exibiu trecho do documentário biográfico sobre a trajetória de Mãe Beata. A programação segue durante toda a tarde com a mesa "Mulheres e Cultura", com o foco de discutir a trajetória de mulheres de diferentes regiões do país, que produzem e empreendem cultura em suas localidades.

Discriminação e preconceitos

A marca da discriminação enraizada nas diversas manifestações culturais, em especial nas ações desenvolvidas por mulheres, ainda é um entrave para o desenvolvimento humano, social, cultural. Posicionamentos como estes foram constatados e reforçados na tarde desta quarta-feira (29), durante as discussões realizadas na Mesa de Debate “Mulheres da Cultura”.

A troca de experiências com mulheres que, apesar dos desafios enfrentados, alcançaram visibilidade nacional e internacional por suas produções, começou com o depoimento da indígena do povo Omágua/Kambeba, compositora e escritora, Márcia Kambeba, que discorreu sobre sua pesquisa e luta em defesa da cultura, identidade e arte do seu povo. “A cultura é cíclica, latente e evolui, e nós mulheres temos que acompanhar, pois não somos objetos de antiquários, somos a força que sustenta e continua levando o conhecimento para nossas gerações”.

Sônia Terra, militante do Movimento Negro do Piauí, falou de sua história de vida enquanto negra, filha de doméstica, e da sua atuação frentre à Fundação Cultural do Piauí, onde buscou demarcar o trabalho e a cultura da mulher negra. “Precisamos continuar demarcando nossos espaços, a cultura precisa chegar a mulheres que vivem nos mais longíquos espaços, pois só assim conseguiremos empoderar as que ainda vivem na base da pirâmide, sem espaços privilegiados”, disse ao afirmar que em qualquer lugar que esteja, lembra da essência de ser mulher e negra.

As discussões seguiram com Salete Maria, cordelista feminista cearense, professora do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade, fazendo uma crítica às políticas culturais que, em sua maioria, não contemplam mulheres cordelistas. “Percebemos o descaso com a cultura cordelista, inclusive os editais não contemplam essas mulheres produtoras de cultura, realidade que precisa ser modificada no país”. A mesa foi finalizada por Ana Maria Gonçalves, que fez um recorte histórico sobre o sentido da palavra ‘cultura’ e sua evolução ao longo da História. "Precisamos refletir na acepção da palavra "cultural", que tem sido utilizada, muitas vezes, para justificar a violência, abuso e discriminação contra a mulher". A Mesa foi mediada pela dirigente do Centro de Culturas Populares e Identitárias (CCPI), órgão da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, Arany Snatana.

O Seminário

O SNMC é uma realização da Fundação Pedro Calmon/Secretaria de Cultura/Bahia, com parceria do Ministério da Cultura (MinC), por meio da Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural (SCDC), da Universidade Federal da Bahia (Ufba), por meio do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (NEIM), da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM-BA), da Secretaria de Comunicação (Secom-BA) e da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE). Toda programação do SNMC pode ser consultada no site.