A liberdade da criação artística é um instrumento de ressocialização para os detentos da Penitenciária Lemos Brito, em Salvador, que foram capacitados pelo projeto Libertarte para montagem de mosaicos – técnica de composição de imagens em quadros e superfícies, a partir de retalhos de cerâmica e outros materiais. Nas oficinas, os internos aproveitam o tempo para refletir, aprendem o processo de produção e a ter disciplina, hábitos importantes para o futuro, quando voltar a conviver em sociedade. Uma exposição com as obras produzidas pelos detentos está disponível para visitação e venda no Salvador Shopping.

Lourival Silveira, 66 anos, condenado a nove de prisão, foi o primeiro a ingressar no projeto e diz que trabalha cerca de oito horas por dia. “Minha intenção é continuar a fazer este tipo de trabalho quando eu sair daqui. Hoje eu passo de oito a nove horas por dia na oficina e me sinto bem. A gente desce, fica aqui o dia inteiro, trabalha, e, às 16h, a gente sobe de volta para a cela”.

A oficina é desenvolvida pelo artista plástico Eliezer Nobre. Além do processo produtivo, ele ensina a história dos mosaicos e fala sobre a magia e fascínio exercidos sobre as pessoas que contemplam este tipo de arte. “O mosaico se sustenta na perenidade, na beleza e na arte. Este tripé causa um encantamento imediato. O observador vê que houve um trabalho artesanal e artístico. Cada pedra tem o seu endereço, a sua função. Fui convidado para fazer uma oficina diferenciada, preparar o interno para que ele, quando estiver em liberdade, tenha um ofício. Está sendo surpreendente”.

Exposição

As obras produzidas no projeto e expostas na capital baiana atraem e sensibilizam o público. A engenheira mecânica Raimara Lima gostou de conhecer o projeto. “Eu acho que essa é uma forma dos detentos não se sentirem excluídos. É uma forma de trabalho para quando estiverem aqui fora. Tem gente que tem dom, mas não tem quem incentive. Esse projeto acaba incentivando, mostrando que aqui fora existem oportunidades”.

Segundo a responsável pelo estande no shopping, Jennifer Ramos, as pessoas não só se interessam, como adquirem as peças. “O cliente chega, eu explico como são produzidos os mosaicos, o que é o projeto e a procura é muito grande. Muita gente tem parado para olhar, e chegamos a vender 20 peças em um dia, depende do movimento do shopping”, explicou. Parte dos recursos arrecadados é revertida para os internos, outra é destinada para cobrir os gastos com a oficina.

Outros projetos

O Libertarte é um dos sete projetos que funcionam na penitenciária. Eles empregam 240 internos da unidade e representam oportunidade de atividade remunerada e redução da pena – um dia a menos de punição para cada três de trabalho. O detento Walter Moreira, 36 anos, foi condenado a 16 e já cumpriu quatro. Há dois anos ele trabalha na padaria que fica dentro da penitenciária, e aproveitou o tempo também para estudar, tendo sido aprovado recentemente no Enem. A padaria produz cerca de 1.500 pães por dia, consumidos na própria Lemos Brito e distribuídos para o comércio, além de bolos, broas e panetones.

“Agora tenho certificado do ensino médio e pretendo fazer uma faculdade quando passar para o regime semi-aberto. Na panificação, eu já trabalhei na produção, hoje estou no estoque e qualquer empresa que precisar de um funcionário pode me chamar, pois estou pronto para isso. A ressocialização aqui favorece a resiliência. A gente aprende a enfrentar momentos de crise com perseverança, criar metas e volta fortalecido, como cidadão de bem”, disse Walter.

De acordo com o superintendente de Ressocialização Sustentável da Lemos Brito, Luiz Antônio Fonseca, os trabalhos realizados na unidade têm sido proveitosos. “Tiramos o preso do confinamento, do ócio, trazemos para perto da direção, dos assistentes sociais, dos técnicos, e, no dia a dia, vamos transformando estes indivíduos. Este é o nosso papel: atenuar a reincidência carcerária que, no país, é de quase 70%”.

Repórter: Raul Rodrigues