1ª Conferência da Diáspora Africana nas Américas é encerrada com entrega da carta de recomendações
Foto: R. Reis/Ascom SJDH

A instituição de uma agência permanente em Salvador para atuar pelo fortalecimento dos ideais do pan-africanismo e a promoção do direito a terra e ao território às comunidades tradicionais foram algumas das recomendações para o 9° Congresso Pan-Africano, que será realizado na capital do Togo, Lomé, ainda este ano. As indicações integram a Carta da 1ª Conferência da Diáspora Africana nas Américas, realizada na capital baiana, de 29 a 31 de agosto. O documento foi entregue ao presidente organizador da Conferência Pan-africana de Lomé, Robert Dussey, que é ministro de Relações Exteriores togolês.

A Conferência foi encerrada no sábado (31) – Dia Internacional das Pessoas Afrodescendentes – com participação, na última plenária, dos ministros Mauro Vieira (Relações Exteriores); Aniele Franco (Igualdade Racial); Silvio Almeida (Direitos Humanos e Cidadania); Margareth Menezes (Cultura); o presidente da Fundação Cultural Palmares, João Jorge Rodrigues; e a presidenta da Fundação Nacional de Artes (Funarte), Maria Marighella. O governador Jerônimo Rodrigues e os secretários Raimundo Nascimento (interino da Justiça e Direitos Humanos), Ângela Guimarães (Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tracionais), Maurício Bacelar (Turismo), e Bruno Monteiro (Cultura), também participaram do debate.

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A União Africana (UA) escolheu a cidade mais negra fora de África, Salvador, para sediar a primeira reunião da 6ª Região em território não africano, em função da afrocentralidade predominante na cultura baiana. A 6ª Região é composta por pessoas de origem africana, que vivem fora do continente, independentemente de nacionalidade.

A Conferência teve o objetivo de mobilizar os afrodescendentes das Américas em torno dos eixos: pan-africanismo, memória, restituição, reparação e reconstrução. O Congresso Pan-Africano está sendo precedido por seis conferências regionais, visando à geração de subsídios para as discussões do 9º Congresso, sendo realizada uma em cada região africana (Meridional, Setentrional, Central, Oriental, Ocidental, bem como a diáspora).

Recomendações

Algumas das recomendações da Carta de Salvador propuseram a valorização da cultura africana e a criação de redes culturais para fortalecer o conhecimento das contribuições africanas na diáspora; a identificação e elaboração de inventário do patrimônio imaterial afrodiaspórico; o combate ao racismo algoritmo. Ou ainda, incentivo à cooperação internacional em medidas de reparação; reconhecimento da importância do Haiti no processo de descolonização mundial; a promoção da plena implementação do Plano de Ação e Reparação de Durban – III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada em 2001, em Durban, na África do Sul, com participação de mais de 16 mil representantes de 173 países.

Integração

O governador Jerônimo Rodrigues disse que a Conferência era um momento de integração da cultura afro-diaspórica, uma agenda articulada entre universidades, movimento social e governos para o debate e enfrentamento de questões persistentes nas vidas dos povos afrodescendentes no mundo. O chefe do executivo baiano também compartilhou, em sua fala, a celebração dos 50 anos dos blocos Afro da Bahia, representação importante da afrocentalidade da cultura baiana.

“A partir do momento em que nós, africanos e afrodiaspóricos, nos entendermos como um só povo, certamente, a nossa luta, que é global, se aprofundará, se traduzindo em respeito e políticas reparatórias fundamentais para a composição de um novo mundo, livre do racismo e da xenofobia, cheio de cooperações multilaterais para o avanço, não apenas do continente africano e das populações em diáspora, mas de toda a humanidade. A Conferência da Diáspora Africana nas Américas, sediada pela primeira vez na cidade mais negra fora de África, é a ponte que nos liga à nossa ancestralidade e a ferramenta que une interesses de países histórica e contextualmente irmãos”, declarou o secretário interino da SJDH, Raimundo Nascimento.

“A Bahia é um lugar que realmente vibra com a energia da ancestralidade africana. Obrigada por sermos irmãos”, agradeceu a embaixadora da República de Barbados no Brasil, Tonika Sealy Thompson. Ela destacou as similaridades de Salvador com os países africanos e falou sobre a importância da Conferência acontecer na Bahia. “Gostaria de cumprimentar o governo baiano pela visão, pela adesão e pela interrupção, também, que é muito importante para construirmos o futuro, juntos. Um futuro que deve ser construído em cima do passado, mas com outra visão de coletividade, de engajamento entre os setores da sociedade civil e dos governos”, afirmou Thompson.

A vice-presidente da Comissão da União Africana, Monique Zsanzababgonwa, falou sobre aspectos do novo colonialismo, que coloca afrodescendentes em condições de desigualdades no mundo inteiro, e afirmou que milhares de descendentes de africanos vivem hoje, em condições sociais e econômicas desfavoráveis nas Américas e em outras partes do mundo, sendo relegados à discriminação e às desigualdades.

Foto: R. Reis/Ascom SJDH

Robert Dussey, que é ministro das Relações Exteriores de Togo e presidente da Conferência Pan-africana de Lomé, destacou as semelhanças culturais dos baianos com África e alertou para a necessidade de refletir a realidade dos afrodescendentes de forma metódica. “É hora de agir, queremos que essa Conferência da Bahia seja o ponta-pé inicial para a nossa proposta de mudança. Em alguns países a reparação foi feita. É nosso dever encontrar vias de colaboração para fazer isso em todo o mundo”, afirmou, defendendo o incentivo à cooperação internacional em medidas de reparação a atrocidades sofridas por africanos e afrodescendentes.

O ministro Silvio Almeida lembrou o pioneirismo de Abdias do Nascimento na discussão sobre o pan-africanismo e disse que a Carta de Recomendações da 1ª Conferência da Diáspora deve ser entendida também como um chamado ao Brasil para rever cada conceito sobre o tema. “A África, para nós, afro-diaspóricos, precisa ser consolidada como território autônomo na nossa memória e esse documento deve refletir o reencontro do Brasil com os ideais pan-africanos”, afirmou.

A ministra Aniele Franco destacou os 23 anos de Durban como um marco histórico que continua sendo referência no debate sobre combate ao racismo e quaisquer outras formas de discriminação. Ela disse que Abdias partiu do pan-africanismo para o quilombismo, contrariando o debate acadêmico da época, que propunha uma suposta democracia racial e concluiu que “o tempo do confinamento acabou. Ocuparemos espaços tão grandes quanto a nossa contribuição…”.

Sobre a Conferência da Diáspora Africana nas Américas

Salvador sediou a 1ª Conferência da Diáspora Africana nas Américas, de 29 a 31 de agosto. A reunião foi etapa preparatória para o 9º Congresso Pan-Africano, agendado para outubro e novembro deste ano, em Lomé, capital do Togo, sob o tema “Renovação do Pan-Africanismo e o papel da África na reforma das instituições multilaterais: mobilizar recursos e reinventar-se para agir”. O evento integra a programação em celebração à década 2021-2031 como a “Década das Raízes Africanas e da Diáspora Africana” por declaração da União Africana.

Foto: R. Reis/Ascom SJDH

A 1ª Conferência foi organizada pela UA e pelo Togo, em parceria com o Governo Federal e o Governo da Bahia, com apoio da Universidade Federal da Bahia e do Instituto Brasil-África. Personalidades da sociedade civil brasileira e internacional discutiram propostas e recomendações sobre pan-africanismo, memória, reconstrução, reparação e restituição. No último dia, representantes da sociedade civil entregam as propostas ao ministro das Relações Exteriores do Togo, que ocupa a presidência do Comitê de Alto Nível da União Africana para a Implementação da Agenda da Década das Raízes Africanas e da Diáspora Africana.

O Brasil abriga a maior população afrodescendente fora da África (56% da população, quase 120 milhões de brasileiros, declaram-se afrodescendentes), e posiciona-se ativamente contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e todas as formas de intolerância. Além da brasileira, participaram delegações de mais de 50 países; a vice-presidente da União Africana, Monique Nsanzabaganwa; representantes do Fundo das Nações Unidas para a População (Unfpa); e do Instituto de Políticas Públicas e Direitos Humanos do Mercosul (IPPDH).

Foto: R. Reis/Ascom SJDH

União Africana (UA)

É um importante foro de articulação de iniciativas entre o Brasil e países africanos. O embaixador do Brasil na Etiópia é acreditado como representante do governo brasileiro junto à UA. Em fevereiro último, o presidente Lula discursou na cerimônia de abertura da 37ª Cúpula da União Africana. O intercâmbio comercial do Brasil com países africanos é de US$ 20,4 bilhões, sendo US$ 13,2 bilhões de exportações brasileiras, com saldo de US$ 6 bilhões.

Fonte: Ascom/SJDH