“Candomblé é vida, amor e respeito”. A afirmação é da ialorixá Walquiria de Oxum, uma das 200 personagens femininas retratadas no Catálogo Mulheres de Axé, lançado nesta terça-feira (2), no Forte Santo Antônio Além do Carmo. O catálogo reúne textos e fotos sobre a trajetória de ialorixás e outras lideranças religiosas na luta pela preservação das tradições, cultura e valorização das religiões de matriz africana. O evento contou com a presença do governador Jaques Wagner e da primeira-dama e presidente das Voluntárias Sociais da Bahia, Fátima Mendonça.

Para Walquiria, outra característica marcante de uma mulher de axé é a responsabilidade. “Ser mãe-de-santo requer muita responsabilidade, é como ter um filho, temos de dar tudo de nós, passar nosso conhecimento, dar amor, carinho, respeito, ter cuidados espirituais e financeiros, se preciso. E mostrar isso paras as pessoas neste documento é muito gratificante”.

A iniciativa é resultado de parceria entre o Governo do Estado, por meio das secretarias estaduais de Políticas para as Mulheres (SPM), Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Casa Civil, juntamente com Coletivo de Entidades Negras (CEN) e ONG Ação pela Cidadania. O catálogo serve também como material de pesquisa para estudantes e outros interessados.

Foram mapeados terreiros das nações Bantu, Gêge e Nagô, no catálogo que faz uma abordagem sobre o perfil de liderança feminina, comum à grande maioria destes espaços religiosos. “O livro vem como afirmação de nossa história, das ialorixás tão importantes para a história do Brasil. As casas são prósperas e acolhem todos os jovens, adultos e crianças. Um espaço de pacificação. E o livro vem com este recorte, com 200 ialorixás, mulheres que lutam pela sua comunidade”, relata Mãe Jaciara.

Momento simbólico

Os exemplares serão distribuídos gratuitamente em terreiros, bibliotecas, universidades, centros de pesquisa e equipamentos culturais da Bahia. O lançamento encerra as atividades do Março Mulher, que contou com um ciclo de mobilizações acerca da luta das mulheres, como destaca a secretária de Políticas para as Mulheres, Vera Lúcia Barbosa.

“Escolhemos este momento simbólico para encerrar o Março Mulher porque entendemos que essas mulheres escolhidas e entrevistadas são símbolos da resistência desta intolerância religiosa, de coragem e bravura. Esta é uma contribuição que o Estado está dando para a reconstrução desta verdadeira história, mas ainda há muito o que aprender com estas senhoras”.

O catálogo possui 360 páginas, em papel couchê e terá uma tiragem inicial de dois mil exemplares que serão distribuídos a entidades ligadas à garantia de direitos de mulheres, bibliotecas públicas, terreiros pesquisados, universidades baianas e centros de pesquisas da cultura afrodescendente. Em anexo ao catálogo, também foi produzido um DVD especial contendo entrevistas que abordam, inclusive, o tema da intolerância religiosa, que inspirou a criação de lei federal sobre o assunto.

Religião afro está na raiz da cultura brasileira

Para Fátima Mendonça, as ialorixás demonstram muita força e fé. “Fico muito feliz de poder estar aqui hoje fazendo parte desta homenagem a mulheres tão representativas da nossa história, que nos mostram esse aconchego de mãe, esse coração, um axé, e ainda são responsáveis pela linda história que a Bahia tem. Quero parabenizá-las”.

O governador também prestou a sua homenagem. “Esta é uma grande homenagem, merecida, a uma religião que está na raiz da cultura brasileira. Conseguimos produzir um livro que vai ficar para a história e colocar no devido lugar aquelas que sofreram repressão e foram perseguidas. Devemos recontar esta história e expor estes registros para mostrar com muitas destas mulheres conseguiram superar as dificuldades. Parabenizo a todas estas mulheres por serem um exemplo para todos nós”.

Na oportunidade o governador ainda recebeu uma homenagem do terreiro Ilê Axé Ayra Izo pela posse do terreno onde está localizado o templo. Ele recebeu um colar de contas e uma escultura de Xangô, orixá da justiça, em metal.

Papel histórico

Para a ebomi Nice, as mulheres exercem um papel histórico, cultural e religioso dentro das comunidades do candomblé. Além do conhecimento religioso de cada uma, muitas possuem um engajamento social e político. “Me sinto lisonjeda de participar deste livro que tenta combater a intolerância religiosa e estamos galgando coisas que não tínhamos”, afirma a ebomi.

Nice destacou de outras mulheres importantes para a religiosidade de matriz africana. “Se essa publicação tivesse ocorrido há 50 anos, com certeza teria outras mulheres também muito representativas para a sociedade, como Mãe Menininha do Gantois, Mãe Senhora, Mãe Teté e muitas outras. Essa iniciativa valoriza não apenas nossa ancestralidade, como nós também, as mais novas”, conclui.

Intolerância 

O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa foi instituído em 2007 pela Lei Federal 11.635, em homenagem a Gildásia dos Santos e Santos, a Mãe Gilda, do terreiro Axé Abassá de Ogum, de Salvador. A religiosa do candomblé infartou após ver seu rosto estampado na primeira página da Folha Universal, jornal evangélico, com a manchete ‘Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes’.