Horta comunitária do CSU de Castelo Branco leva alimentos orgânicos para famílias em situação de vulnerabilidade social
Imagem ilustrativa. Foto: Mário Marques/SJDHDS

Várias frentes de combate à fome foram montadas na Bahia desde que foi lançado o Programa Bahia Sem Fome, em março deste ano. Uma dessas frentes vem intensificando os estudos sobre as Plantas Alimentícias Não Convencionais (Pancs), envolvendo secretarias e órgãos do Estado, bem como organizações e instituições parceiras, a exemplo da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia.

De acordo com a professora Deborah Otero, que tem mestrado e doutorado em Engenharia e Ciência de Alimentos e vem trabalhando com Pancs na Escola de Nutrição da UFBA desde 2019, essas plantas têm muito potencial para contribuir com a segurança alimentar, pois não precisam de tantos cuidados. “Elas brotam no chão, até mesmo em piso de concreto, com capacidade de sobrevivência muito grande. São acessíveis para a população, ricas em carboidrato, proteínas, vitaminas, sais minerais, por conta dessa adaptação que elas precisam realizar para sobreviver”, explica a professora, que vem coordenando duas equipes de estudantes de mestrado e de graduação, nos cursos de Nutrição e Farmácia, numa linha de pesquisa sobre o potencial nutritivo das cactáceas do nordeste brasileiro.

“O cacto é um vegetal estigmatizado, as pessoas acham que serve apenas como comida de gado ou como planta forrageira, mas ele tem uma composição nutricional muito rica. No México, por exemplo, as pessoas consomem cacto como a gente consome banana aqui. Com o cacto, eles fazem chocolates, sucos, geleias”, relata, informando que atualmente coordena dois grandes projetos: o das cactáceas e um outro projeto sobre matérias-primas alternativas para o desenvolvimento de novos produtos, a partir de outras Pancs.

Comunidades

Otero explica que os estudos consistem em caracterizar nutricionalmente cada Pancs, identificando tudo que elas têm de bom em termos de carboidrato, lipídio, fibra ou vitamina. “A depender dos resultados, a gente desenvolve novos produtos. Vamos levar para as comunidades informações sobre de que maneira essas cactáceas podem ser preparadas, quais as receitas. Queremos fazer com que as pessoas consumam mais, tanto as cactáceas quanto o buriti, o cambuci, o melão-de-são-caetano, a manguba, o maracujá do mato e todas as cactáceas”, conta a professora, cujos alunos estão em campo, fazendo coletas na Bahia, na região da Chapada Diamantina, e em outros estados do Nordeste.

“O Brasil tem 45 mil espécies de vegetais exóticos e não convencionais ainda pouco estudados. Estamos tendo agora os resultados de laboratório. Já identificamos, por exemplo, que o melão-de-são-caetano é muito rico em proteína. E a casca da pitaia (fruta do dragão), cujo quilo custa mais de R$ 30 e as pessoas costumam jogar a casca fora. Estamos extraindo a mucilagem dessa casca para usar em nanotecnologia”.

Otero explica um resultado surpreendente sobre uma Panc denominada manguba. “Ela vinha sendo descartada por ser considerada antinutricional para o nosso organismo, por causar diarreia. Após estudos, descobrimos que o ácido que causava a reação é sensível e se degrada à alta temperatura. Foi aí que caracterizamos a manguba e desenvolvemos um produto. Para consumir a manguba, ela precisa estar torrada ou passar por algum processo de cozimento”.

Outra experiência apresentada pela equipe é referente ao “endocarpo do buriti”, gorduroso, que, segundo ela, lembra o dendê. “As pessoas consomem a polpa somente como doce, pois é ácido. Mas não consomem o caroço, que gera muito resíduo na natureza. Coletamos esses caroços, abrimos e retiramos o endocarpo de dentro para estudos. Ele não causa nenhum prejuízo à saúde, pelo contrário, tem carboidratos, fibras e vitaminas. E agora estamos desenvolvendo um cookie a partir desse endocarpo”, revela, informando que, após análise microbiológica, desenvolveram uma farinha a partir do caroço do buriti, apta para o consumo humano”. Estamos desenvolvendo agora um biscoito a partir de um caroço que era lixo até então”.

Para o coordenador do Programa Bahia Sem Fome, Tiago Pereira, que vem acompanhando os estudos sobre Pancs realizados no âmbito da Secretaria de Desenvolvimento Rural, através da Companhia de Ação e Desenvolvimento Regional (CAR), há ainda uma visão negativa e pouco nível de conhecimento da população sobre as Pancs.

“Esse conjunto de espécies vegetais tem um potencial muito grande do ponto de vista da nutrição humana, da alimentação de modo geral e do ponto de vista econômico. Algumas experiências estão surgindo. Eu, que venho do Sertão, sempre acompanhei o reaproveitamento do maxixe. Fazíamos pratos também com o fruto do mandacaru, que servia para ornamentar. No Serrado tem a cagaita. Pouco se aproveitava dela, mas quem tinha o conhecimento fazia geleia ou xaropes. É um mergulho profundo que vem sendo realizado para desconstruir estereótipos”, avalia Pereira, destacando que, na formulação do Programa Bahia Sem Fome, “é importante a gente beber desse conjunto de experiências que trazem esse olhar do aproveitamento, reaproveitamento, conservação e preservação, porque a gente acaba assegurando um processo identitário e a valorização da cultura, inclusive do ponto de vista alimentar. Para vencer a fome, temos de vencê-la com segurança alimentar e nutricional, assegurando os laços culturais existentes em cada contexto”

Fonte: Ascom/BSF