Tocado por municípios, estados e União –, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi alvo de um intenso processo de terceirização nos últimos anos, cabendo ao setor privado a busca de soluções para as dificuldades de sua gestão. Nesse sentido, o secretário da Saúde, Jorge Solla, afirma que a idéia proposta pelo governo Jaques Wagner, assim como por outros governos estaduais, é superar as dificuldades através da ação do próprio setor público. Para isso, é necessário discutir novas alternativas que se mostrem adequadas à natureza do SUS, como a criação de consórcios públicos e fundações estatais. “Com a aplicação de novas alternativas, não há dúvidas de que o serviço público de saúde tende a melhorar”, acredita Solla.

Os dois modelos foram temas de debate, entre especialistas na área e secretários de saúde de várias partes do país, no seminário Consórcio Público e Fundação Estatal/Governamental: Alternativas para a Gestão Pública do SUS, realizado ontem (25) no auditório da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba), na Graça. Consórcio é fruto de uma articulação entre mais de um ente federado (entre estado e município ou entre estado, município e União, por exemplo). Já a fundação é administrada por um dos entes, embora ela também possa prestar serviços à população de mais de um município. No último dia 17, o presidente Lula assinou o decreto 6.017, que regulamenta a Lei de Consórcios Públicos – Lei 11.107, de 6 de abril de 2005.

Já a discussão a respeito das fundações estatais e sua incorporação ao setor de saúde foi iniciada a partir de 2003, como alternativa a hospitais federais como o Grupo Hospitalar Conceição (GHC) e o Instituto Nacional do Câncer (Inca). “Hoje, o governo federal está prestes a aprovar a regulamentação que vai permitir uma utilização mais ampla dessa modalidade de gestão através das fundações”, informou Solla. Trata-se de uma lei complementar que vai regulamentar o artigo 37, inciso XIX, da Constituição Federal, que possibilita que os estados, os municípios e a União criem fundações estatais de direito privado. Com a melhoria do atendimento através de novos modelos de gestão, o secretário também acredita que pode ser superada a idéia de que o serviço público é ineficiente e os servidores não são qualificados.

No Brasil, já há hospitais em que o processo de criação de fundações estatais está em andamento e algumas dessas experiências foram apontadas durante o seminário. É o caso do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), do Ministério da Saúde em Porto Alegre, que oferece atendimento 100% SUS na capital gaúcha. Lá, a transformação da unidade em fundação estatal, segundo o diretor administrativo do local, Gilberto Barrichello, já foi negociada com associações, sindicatos e trabalhadores e só depende da lei que está indo para trâmite perante o Congresso Nacional. “A fundação vai nos dar maior autonomia orçamentária, financeira e contábil. Não teremos apenas o caixa único do governo, e sim autonomia para administrar os recursos de acordo com a Lei 6.404 do setor privado”, explicou Barrichello. 

O modelo de gestão mediante a criação de fundações também traz benefícios para os profissionais de saúde, na opinião do secretário estadual da Saúde do Rio de Janeiro, Sérgio Cortes. Ele explica que, hoje, estados e municípios vivem um grande problema relacionado à contratação de pessoal, pois o concurso público para servidores estatutários tem se mostrado ineficiente, sobretudo no Rio de Janeiro. “Verificamos que 65% dos médicos selecionados no nosso último concurso, realizado em 2002, já abandonaram o emprego. Então, nossa idéia é discutir a possível criação de uma fundação estatal que possa efetivamente, através de concurso público, contratar profissionais via Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em que eles possam ser mais bem pagos e, obviamente, trabalhar com uma remuneração por desempenho”. 

Para o secretário municipal de Saúde de Aracaju, Rogério Carvalho, o aprofundamento do tema junto a especialistas é um passo importante, uma vez que os estados brasileiros perderam capacidade de gestão na área hospitalar. “Nós não temos hoje uma inteligência nessa área e a fundação governamental me parece um bom caminho para que essa inteligência gestora possa ser resgatada”, disse. Ele acrescentou que o estado de Sergipe conta com os hospitais estaduais terceirizados, através de contratos com empresas privadas, o que reforça e agrava a situação de perda de capacidade de governo.

Alternativas

Em relação aos hospitais terceirizados na Bahia (oito deles com organizações sociais e 10 com empresas privadas) e à possibilidade de trazê-los de volta ou não para a gestão pública, o secretário Jorge Solla explicou que as alternativas a serem adotadas não serão necessariamente as mesmas. Ou seja, a gestão hospitalar poderá acontecer de variadas formas no estado. Essa semana, inclusive, foi inaugurada uma modalidade inovadora no Hospital Estadual de Camaçari. “Adotamos um modelo de parceria entre o estado e o município, através do qual vamos estar dividindo a responsabilidade da gestão do hospital”, falou. Ele acrescentou que, ainda antes disso, a prefeitura de Camaçari já estava disponibilizando há dois anos 270 funcionários para substituir e ocupar postos de trabalho que estavam vagos no hospital.

“Então, era mais do que justo que tivéssemos a oportunidade de experimentar uma nova modalidade, já que o grosso dos funcionários não era do estado, e sim do município”, continuou o secretário, deixando claro que não haverá apenas uma única modalidade na gestão da rede hospitalar pública baiana. Poderá, inclusive, ser mantida a terceirização de alguns hospitais em que a parceria for favorável e o contrato tiver uma relação custo/benefício viável. Um exemplo citado por Jorge Solla foi a administração das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), no Hospital do Oeste, em Barreiras.

Solla afirma que o Hospital de Irmã Dulce oferece atendimento 100% SUS e presta um serviço à população de forma incontestável. “É um hospital tão público quanto um hospital estadual, do ponto de vista do acesso da população ao serviço. Não há razão, a princípio, para considerar prejudicial uma parceria com uma instituição como as Osid, do modo como está sendo feita no Hospital do Oeste”, frisa ele, lembrando que a situação de cada hospital será analisada isoladamente, caso a caso.

O Hospital de Irecê, cujo distrato com a organização social que o administrava foi anunciado no último final de semana, está tendo a sua possível municipalização discutida entre o Governo do Estado e a prefeitura da cidade. Já em Ribeira do Pombal, foi prorrogado por mais um ano o contrato entre o governo e a Fundação José Silveira na gestão do Hospital Estadual da cidade. “Enfim, não haverá uma regra única”, concluiu Solla.