Um fenômeno natural conhecido como “maré vermelha” foi a causa da mortandade de peixes na Baía de Todos os Santos, verificada desde o início do mês de março. A constatação está no laudo técnico divulgado nesta quarta-feira (4) pelo Centro de Recursos Ambientais (CRA), detalhando que a ocorrência é resultado das altas concentrações da espécie de microalgas Gymnodinium sanguineum no mar. Em altas densidades, essas algas produzem grande quantidade de matéria orgânica, o que causou a obstrução das brânquias dos peixes, levando-os à morte por asfixia. A situação ainda foi agravada pela redução do oxigênio disponível na água em função da decomposição da matéria orgânica gerada.

Uma equipe multidisciplinar trabalhou nos estudos e na elaboração do laudo técnico, com a participação de professores dos institutos de Química e de Biologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), da Escola de Medicina Veterinária da Ufba, da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), de Santa Catarina, e do Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia (Cefet). O professor Eduardo Mendes da Silva, do Instituto de Biologia da Ufba, esclarece que a maré vermelha ocorre principalmente por conta de condições climáticas estáveis e do aumento de nutrientes na água. “A estabilidade climática verificada no mês de março colaborou para a reprodução intensa das algas. Foram praticamente 30 dias sem as costumeiras chuvas e os ventos fortes”, disse.

“As algas chegam a um grau de concentração máximo de três milhões de células por litro”, explicou o oceanógrafo e professor da Univali, Luís Proença. O laudo concluiu ainda que, no fenômeno ocorrido na Bahia, os danos decorrentes afetam apenas o ecossistema, diferentemente da maré vermelha verificada em Santa Catarina em janeiro deste ano, quando as microalgas produziram toxinas que contaminaram ostras e mexilhões. Nesse caso, o consumo dos mariscos afetaria a saúde humana.

A principal região afetada pelo fenômeno foi a desembocadura do canal de São Roque do Paraguaçu, entre Salinas da Margarida e Santo Amaro, passando pelas localidades de Bom Jesus dos Pobres, Cabuçu, Itapema, Acupe e outras áreas adjacentes. A maré vermelha também provoca alteração na coloração da água.

O trabalho de monitoramento das águas da baía continua. Segunda-feira (9) está marcada uma reunião do conselho gestor da Área de Preservação Ambiental (APA) da Baía de Todos os Santos. Na ocasião, será discutida a elaboração de um plano de manejo e recuperação das águas, para evitar o lançamento de detritos e combater a poluição.

Após a divulgação do laudo técnico, o secretário Juliano Matos afirmou que a assistência do Governo do Estado às populações prejudicadas pela mortandade de peixes está mantida. Até agora, mais de 10 mil cestas básicas já foram distribuídas às famílias das regiões afetadas.

Confira a íntegra do laudo técnico do CRA:

Conclusões Sobre a Investigação do Episódio de Mortandade de Peixes na Baía de Todos os Santos

Os estudos realizados pelas equipes do CRA, IBAMA e DPT, em colaboração com professores da FURG, UFBA, UNIVALI, CEFET, técnicos do Projeto MAMA e outras instituições concluiram que a causa da mortandade de peixes no Noroeste da Baía de Todos os Santos – BTS, foi a floração de um dinoflagelado, Gymnodinium sanguineum. A presença deste organismo em altas densidades causa alteração na cor da água, que provoca o aparecimento de manchas de coloração avermelhada, típicas do fenômeno conhecido como Maré Vermelha.

As marés vermelhas ocorrem em diversas regiões costeiras e oceânicas do mundo e podem ser causadas quando as microalgas do plâncton encontram um ambiente favorável, como por exemplo, riqueza em nutrientes e condições oceanográficas estáveis. As microalgas são organismos unicelulares e microscópicos – 20 vezes menor que a cabeça de um alfinete-, que constituem a base da cadeia alimentar aquática. Algumas espécies podem produzir toxinas ou ser nocivas aos organismos aquáticos.

A mortandade dos peixes observada na BTS, a partir do dia 6 de março, propiciou, primariamente, às altas densidades da espécie G. sanguineum – máximo de 3 milhões de células por litro. Nestas altas densidades, as microalgas produzem grande quantidade de matéria orgânica, a qual causa a obstrução das brânquias dos organismos aquáticos, levando-os a morrer por asfixia. A situação foi agravada pela redução do oxigênio disponível na água em função da decomposição da matéria orgânica gerada. Este quadro tipifica uma ocorrência clássica de maré vermelha.

O evento se concentrou na região da desembocadura do canal de São Roque do Paraguaçu, entre Salinas das Margaridas e Santo Amaro, incluindo as localidades de Bom Jesus dos Pobres, Cabuçu, Itapema e Acupe. Posteriormente, outras comunidades adjacentes foram afetadas. No momento, há sinais que as manchas antes presentes na região retrocederam e foram dispersadas com redução significativa de suas densidades originais.

O organismo em questão não produz toxinas, não representando, desta forma, riscos à saúde humana. Sem embargo, não há registros de intoxicação humana nas localidades atingidas que possam ser relacionados ao caso em questão. Os efeitos foram limitados aos peixes, suas larvas, alguns crustáceos e organismos do zooplâncton. Embora não seja possível determinar eventuais padrões de recorrência ou repetição do evento, cabe afirmar que os efeitos agudos que existiram, não mais estão presentes.

Os efeitos nocivos causados por esta floração estão de acordo com relatos científicos encontrados para outros lugares do mundo. Embora algumas espécies de microalgas possam produzir toxinas, e estas afetem o ser humano, este não foi o caso para a BTS.

Caso recente de maré vermelha com produção de toxinas ocorreu em Santa Catarina, em janeiro de 2007, quando ostras e mexilhões foram afetados, levando as autoridades à suspensão da comercialização e consumo dos mariscos. Nesse caso, não houve mortandade de peixes.

Assim, a partir das análises realizadas foi verificado que o evento ocorrido na BTS não causa problemas ao ser humano. Portanto, não há restrição à utilização das praias para o banho de mar. Por fim, os estudos realizados não encontraram indícios de que o consumo do pescado represente riscos à saúde humana, apesar do Ibama manter o decreto da suspensão da pesca na BTS por um período de dois meses a contar de 29 de março.