25 de junho de 1822. Reunidos na Câmara Municipal de Cachoeira, Antônio de Cerqueira Lima, José Garcia Pacheco de Aragão, Antônio de Castro Lima, Joaquim Pedreira do Couto Ferraz, Rodrigo Antônio Falcão Brandão, José Fiúza de Almeida e Francisco Gê Acaiaba de Montezuma (futuro Visconde de Jequitinhonha) anunciam o resultado da consulta ao povo, pelo procurador do Senado da Câmara, “se concordava que se proclamasse Sua Alteza Real (Dom Pedro de Alcântara) como regente constitucional e defensor perpétuo do Brasil, da mesma forma que havia sido no Rio de Janeiro?”. E o povo responde: “Sim”, mesmo sob a ameaça de uma escuna militar portuguesa, fundeada no Rio Paraguaçu.

Em comemoração, começa em seguida um desfile pelas ruas de Cachoeira, celebrando-se uma missa. O desfile popular é alvo de tiros vindos da casa de um português e da escuna. O tiroteio segue por toda a noite e no dia seguinte. Para lembrar o começo da luta pela independência da Bahia, cuja batalha final seria travada em 2 de julho de 1823, em Salvador, a partir deste ano, cumprindo-se a Lei 10.695/07, sancionada pelo governador Jaques Wagner, Cachoeira, a Cidade Heróica, será a capital do estado em 25 de junho. O governador e diversos secretários estarão no município despachando, anunciando ações direcionadas para o Recôncavo e participando da programação cívica.

Recôncavo forma governo autônomo

A consulta popular de junho de 1822 foi provocada por uma carta dos deputados baianos na Corte, em Portugal, perguntando a opinião das municipalidades sobre qual era a relação da Bahia com a metrópole. As vilas de Cachoeira e São Francisco foram as primeiras a se manifestar favoráveis a que a Bahia passasse para a regência de Dom Pedro, no Rio, sinalizando a vontade de separação de Portugal.

Diante da reação da tropa portuguesa, os cachoeiranos proclamam uma Junta Conciliatória e de Defesa para o governo da cidade, em sessão permanente, recebendo a adesão de muitos portugueses. Dentre os brasileiros, destaque para Rodrigo Antônio Falcão Brandão, depois feito Barão de Belém, e Maria Quitéria de Jesus. Foi constituída uma caixa militar e instaram ao comandante da escuna para que cessasse o ataque, obtendo como resposta uma ameaça.

O povo reage. Tem lugar o primeiro combate, pela tomada da embarcação, que, cercada por terra e água, resiste, até a captura e prisão dos sobreviventes (28 de junho de 1822). As vilas do Recôncavo vão aos poucos aderindo a Cachoeira. Salvador se torna alvo de maiores opressões do brigadeiro Madeira de Melo, comandante das tropas portuguesas, e o êxodo da população para o Recôncavo é intensificado.

As municipalidades se mobilizam, treinando tropas, erguendo trincheiras. Pelo sertão vinham adesões. Posições estratégicas são tomadas nas ilhas, em Pirajá e Cabrito. Itaparica, que já aderira, é bombardeada por ordem de Madeira de Melo. O povo foge, engrossando as hostes do Recôncavo.

Em Cachoeira, é organizado um novo governo, para comandar a resistência, a 22 de setembro de 1822, sob a presidência de Miguel Calmon du Pin e Almeida (futuro Marquês de Abrantes).

Em outubro de 1822, chega do Rio de Janeiro o primeiro reforço efetivo, sob o comando do general francês Pedro Labatut. A tropa era formada quase toda por portugueses, já que não existia um exército nacional. Seu desembarque foi impedido, indo aportar em Maceió (AL), de onde veio, por terra, e conseguiu arregimentar mais soldados. Depois, Labatut é substituído pelo coronel José Joaquim de Lima e Silva (futuro Duque de Caxias).

Sentimento arraigado

A partir da Conjuração Baiana de 1799, o sentimento de independência ficou arraigado no povo. A Revolução do Porto, em Portugal, em 1820, teve repercussão na Bahia, onde moravam muitos portugueses. Em fevereiro de 1821, uma conspiração constitucionalista começa em Salvador, com a participação, dentre outros, do jornalista Cipriano Barata.
Os conspiradores queriam, como em Portugal, uma Constituição que limitasse o poder real. Os revoltosos forçam a renúncia do governador da Bahia, Conde da Palma, que era apoiado pelo então coronel Inácio Luís Madeira de Melo. E a Junta Governativa é constituída por brasileiros e portugueses.

Na Bahia, são formados os três partidos que seriam o combustível da luta: Partidários da Colônia (exclusivamente de portugueses), Constitucionalistas do Brasil (brasileiros e portugueses) e Republicanos (quase exclusivamente de brasileiros).

A 12 de novembro de 1821, os soldados portugueses saem pelas ruas de Salvador atacando os soldados brasileiros, num confronto corporal na Praça da Piedade, com feridos e mortos. A população começa a se retirar para o Recôncavo.

A 31 de janeiro de 1822, uma nova Junta Governativa é eleita e em 11 de fevereiro chega a notícia da nomeação de Madeira de Melo para comandante das Armas da Província – quem estava no comando era o brigadeiro Manuel Pedro, que fortalecera os nativos, pensando na guerra. Assim, a nomeação de Madeira de Melo foi um duro golpe no partido nacional.

Joana Angélica, a primeira mártir

A posse de Madeira de Melo é impedida pelos brasileiros, que defendem o nome de Manuel Pedro. O comandante português busca apoio junto aos comerciantes de Portugal, além da Infantaria (12º Batalhão), da Cavalaria e dos marinheiros. Os baianos contam com a Legião de Caçadores, a Artilharia e a Infantaria (1º Batalhão).

A 18 de fevereiro de 1822, reúne-se um conselho de vereadores, juízes e Junta Governativa para dirimir a questão da posse. Como solução, é proposta uma Junta Militar, sob a presidência de Madeira de Melo. Vitória dos portugueses!

Na madrugada de 19 de fevereiro, acontecem os primeiros tiros, no Forte de São Pedro, para onde acorrem as tropas portuguesas, vindas do Forte de São Bento. Há confrontos violentos nas Mercês, na Praça da Piedade e no Campo da Pólvora.

Os portugueses tomam o quartel onde se reunia o 1º Batalhão da Infantaria. Os soldados lusitanos atacam casas e pessoas e invadem o Convento da Lapa, assassinando a abadessa Sóror Joana Angélica. Surge a primeira mártir da independência da Bahia.

Madeira de Melo se prepara para bombardear o Forte de São Pedro. No dia seguinte, o forte se rende, evitando derramamento de sangue. O brigadeiro Manuel Pedro é preso e enviado a Lisboa.

A 2 de março de 1822, Madeira de Melo finalmente presta juramento perante a Câmara de Vereadores. Os brasileiros reagem com pedradas às ações militares do comandante português e na procissão de São José (21 de março de 1822) os “europeus” são apedrejados.

Salvador assiste à debandada cada dia maior dos moradores, que aumenta com a chegada de um navio, dos que levavam tropas do Rio de Janeiro de volta a Portugal, que aporta na capital deixando seus soldados.

Batalha de Pirajá

Diante da derrota, as tropas baianas recuam para o Recôncavo. A partir de então, começa o cerco a Salvador, onde se concentram os militares e os comerciantes portugueses. A cidade fica incomunicável, sem alimentos, sem munição.

As entradas de Salvador ficam praticamente interditadas pelas forças que defendem a independência. Madeira de Melo não tem outra alternativa, a não ser ir para o ataque.

Em 8 de novembro de 1822, trava-se em Pirajá uma das batalhas mais violentas da libertação da Bahia, e Madeira de Melo é forçado a recuar. Depois desse desastre e da derrota em Itaparica, o exército português não pôde renovar reforços para ir além da capital.

Nos primeiros meses de 1823, a situação de Salvador deteriora muito. Sem alimentos, as doenças matam cada vez mais pessoas. Diante dessa situação, o chefe português permite a saída dos moradores e cerca de 10 mil pessoas deixam a cidade.

Em maio de 1823, chega à costa da província a esquadra comandada por Thomas Cochrane para participar do bloqueio marítimo à capital. A derrota final de Madeira se dá em 2 de julho de 1823.

O 2 de Julho no imaginário popular

Segundo o historiador baiano Luís Henrique Dias Tavares, autor do livro Independência do Brasil na Bahia, o 2 de Julho é uma construção de muitos e muitos anos no imaginário popular, que destaca figuras como Maria Quitéria, Joana Angélica, o Corneteiro Lopes e João das Botas, dentre outros heróis, além da participação dos índios (Cabocla), “verdadeiros brasileiros”.

Em entrevista à jornalista Mariluce Moura (Pesquisa Fapesp, janeiro de 2006), Dias Tavares lembra que a Bahia saiu muito pobre da guerra, porque durante longo período ficou sem possibilidades de continuar o seu comércio, enquanto gastava recursos para formar tropas e apoiar o exército que chegaria, finalmente, do Rio de Janeiro.

“Em 2 de julho de 1823, a única coisa que a Bahia tem é justamente o 2 de julho de 1823. Naquele quadro, que na época não se pode chamar de nacional brasileiro, pois o Brasil verdadeiramente não existe ainda, o Brasil é uma demorada e castigada construção dos brasileiros, a Bahia está sem nada. E é daí que os baianos orgulhosamente construíram o 2 de julho de 1823 como uma data da independência, que era da Bahia, mas que era também, e muito, do Brasil”, afirma o historiador.

Entre os equívocos do 2 de Julho, Dias Tavares destaca as homenagens ao general Labatut. “Foram os brasileiros que de fato libertaram a Cidade do Salvador de armas nas mãos. Primeiro foram os brasileiros de Santo Amaro, Maragogipe, Cachoeira, São Francisco do Conde, Nazaré das Farinhas, Jaguaripe, que formavam um exército de esfarrapados.

Depois, entraram os brasileiros que desceram lá de Caetité e de outros pedaços do sertão e da Chapada Diamantina, formando um exército das mais diferentes cores, de brasileiros filhos de escravos, descendentes de escravos, brasileiros brancos pobres que nada tinham além de uma roça de cana plantada para o senhor de engenho”, ensina.