A Paróquia de Sant’Ana, formada por fiéis da Igreja do Santíssimo Sacramento e Senhora Sant’Ana – que compõe o conjunto barroco da Bahia e foi a primeira igreja do estado a ser erguida com material e tecnologia 100% brasileiros – está em festa, pois recebe a imagem de São Benedito com o Menino Jesus restaurada para a festa de Nossa Senhora Sant’Ana, cuja programação começa ainda neste mês.

O Secretário de Cultura, Márcio Meirelles, que à época do vandalismo garantiu restituir a imagem restaurada à igreja, estará fazendo a entrega oficial do São Benedito à comunidade católica e ao Padre José Abel Pinheiro, responsável pela Paróquia, às 8:30 horas, da próxima terça-feira, dia 22 (julho, 2008), na igreja localizada na Ladeira de Sant’Ana, bairro de Nazaré, em Salvador (BA). A imagem foi restaurada por técnicos especialistas do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), autarquia da secretaria de Cultura (Secult), cujo trabalho é referência nacional.

A obra sacra de 300 anos foi destruída pelo desempregado Marcos Vinícius Santos Catarino, 31, que é adepto da Igreja Universal do Reino de Deus. Ele foi preso no mesmo dia do ato de vandalismo – 3 de dezembro do ano passado (2007) –, quando estava em fuga em direção à Barroquinha, na Baixa dos Sapateiros. Contudo, foi liberado após prestar depoimento na 1ª CP (Barris) e quando a mãe dele apresentou receitas de remédios antidepressivos. No depoimento à polícia, o vândalo disse que subiu no altar e se atirou de lá ao chão com as imagens por achar que o santo “preto” tinha a “cara do demônio”.

De acordo com o diretor geral do IPAC, Frederico Mendonça, quando os restauradores receberam a obra, composta por duas estátuas, em janeiro deste ano (2008), verificaram não somente que algumas partes haviam sido destruídas, irremediavelmente, como um olho de vidro, mas também que as peças, por serem em madeira, continham fungos e cupins. “A equipe, composta por 24 marceneiros e restauradores, promoveu limpeza química minuciosa, imunização, além da restauração completa do pedestal e das duas estátuas, removendo ainda a pintura de má qualidade que deve ter sido aplicada à base de sustentação ao longo dos anos”, relata Mendonça.

O altar de São Benedito, localizado na lateral direita da igreja também ficou parcialmente destruído e está sendo recuperado pelo IPAC. “Enquanto não terminamos a obra do altar, a imagem do santo ficará em exposição pública dentro de uma cúpula de vidro, na sacristia, com seis banners onde constam fotos e dados que explicam o passo a passo do processo de restauração”, diz o diretor do Instituto.

Restauração

A imagem de São Benedito tem 1,23 metros de altura e foi partida ao meio quando se chocou contra o chão da igreja. Esculpido em madeira policromada, o santo tem olhos de vidro e veste franciscana em ‘burel’, técnica ainda utilizada no Brasil do século XVIII que consiste em molhar numa mistura especial um pano grosseiro ou uma lã de má qualidade – geralmente os hábitos dos monges – para depois aplicá-lo à estátua. Nos braços, São Benedito segura o Menino Jesus, que tem meio metro de altura.

Segundo a coordenadora do Centro de Restauro do IPAC, Kathia Berbert, não existem documentos no arquivo da Irmandade que comprovem quem é o autor das estátuas. “Na publicação ‘Artistas Baianos’ de Manoel Quirino encontramos como autor o escultor santeiro Francisco Chagas, mas, não existem provas disso, embora Chagas estivesse em plena atividade, na Bahia, quando se inaugurou a Igreja de Sant’Ana em meados do século XVIII”, relata a especialista do IPAC. A equipe realizou também serviços de fixação dos estratos, consolidação dos suportes, substituição do olho de vidro e aplicação de verniz de proteção nas duas estátuas.

Igreja de Sant’Ana

Construída em 1760, a Igreja de Sant’Ana deu abrigo aos revoltosos que lutaram contra a Coroa Portuguesa pela independência do Brasil. No seu cemitério estão enterrados os restos mortais da heroína da independência baiana, Maria Quitéria. A Igreja também serviu de moradia para Irmã Dulce, que era devota de Nossa Senhora de Sant’Ana e descobriu nesse período sua vocação para o catolicismo. Desde 1941 a igreja é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), como patrimônio brasileiro, juntamente com a imagem de São Benedito, agora restaurada pelo IPAC.

São Benedito

São Benedito, o Negro ou o Mouro, nasceu na Sicília, ilha italiana do Mar Mediterrâneo, a 31 de março de 1526 e faleceu em Palermo a 4 de abril de 1589. Descendente de escravos da Etiópia, cresceu em família pobre. Foi pastor de ovelhas e lavrador. Tinha o apelido de ‘mouro’ pela cor da sua pele. Aos 18 anos de idade consagrou-se ao serviço católico e, aos 21, a monge dos irmãos eremitas de São Francisco de Assis. Fez votos de pobreza, obediência e castidade, caminhava descalço pelas ruas e dormia no chão sem cobertas. Era muito procurado pelo povo, que desejava ouvir conselhos e orações. Depois de 17 anos entre os eremitas tornoui-se cozinheiro no Convento dos Capuchinhos, sendo eleito depois Superior do Mosteiro, apesar de analfabeto e leigo, já que não havia sido ordenado sacerdote. Era considerado ‘iluminado’ pelo Espírito Santo pois fazia profecias. Preocupado com os mais pobres, retirava mantimentos do Convento, escondia-os dentro das roupas e os levava para famintos nas ruas. Reverenciado no Brasil, é um dos santos mais populares do país, principalmente, entre a população afrodescendente.