Em junho de 2003, a técnica de enfermagem Vera Lúcia Brandão Sampaio foi a quinta pessoa beneficiada com um transplante hepático na Bahia. Exatamente cinco anos depois nasceu Jorge Rafael, saudável e pesando 2,6 quilos e ela se tornou primeira transplantada de fígado, no estado e no Nordeste, e a terceira no país, a engravidar e ter um filho.

Acompanhada durante toda a gravidez pela equipe responsável pelo transplante, coordenada pelo cirurgião Jorge Luis Bastos, Vera Lúcia revela que enfrentou alguns preconceitos e foi alvo de críticas quando decidiu engravidar. Precisou de “muita força de vontade, coragem e determinação, embora tivesse certeza que tudo ia dar certo”.

O transplante realizado no Hospital Português, foi totalmente financiado pelo SUS (Sistema Único de Saúde), que continua garantindo, por meio da Secretaria da Saúde do Estado (Sesab), a medicação necessária à paciente – imunossupressores dispensados pelo Programa de Medicação Excepcional.

Conforme dados do Sistema Estadual de Transplantes da Sesab, existem na Bahia cerca de 200 pacientes em fila de espera para transplante de fígado. Este ano, 19 transplantes foram realizados em dois hospitais que possuem equipes cadastradas pelo SUS para realizar o procedimento – Português e São Rafael.

O médico Jorge Bastos, responsável pela equipe do Hospital Português, conta que o primeiro transplante de fígado na Bahia foi realizado em dezembro de 2002. O primeiro paciente transplantado, Valdoeny de Novaes Franco, tornou-se pai de gêmeos depois da cirurgia e continua saudável, levando uma vida normal.

Em todo o mundo, o primeiro transplante de fígado realizado com sucesso foi nos Estados Unidos, em 1962. No Brasil, aconteceu em 1985. A demanda atual de transplantes hepáticos no Brasil é de 16 transplantes para cada milhão de habitantes. Jorge Bastos ressalta que a cirurgia de transplante é financiada pelo SUS, o que garante o acesso de todos ao procedimento, independentemente de nível sócio-econômico.

“O SUS é responsável por todo o processo, desde a captação do órgão, feita pela Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos/CNCDO, até a cirurgia propriamente dita e o fornecimento de medicações necessárias aos transplantados”, explica o cirurgião.

Longa espera

A história de Vera Lúcia teve início em 1990, aos 19 anos de idade e a caminho da escola, quando sofreu teve uma hemorragia digestiva, passou mal e foi internada em estado de coma, com diagnóstico de fibrose portal progressiva, doença que causa a destruição do fígado e leva à cirrose hepática. Durante sete anos, a técnica de enfermagem foi submetida a tratamento, com acompanhamento médico constante, até que veio a indicação de transplante de fígado e entrou para a fila de espera pela cirurgia, que ainda não era feita na Bahia.

Depois de um período de seis meses em São Paulo, e ocupando o 384º lugar na fila única, ela voltou para Salvador, já sem esperança de conseguir um doador e fazer a cirurgia. No dia 18 de junho de 2003, depois de um ano e meio de espera, foi identificado um doador compatível e a técnica de enfermagem conseguiu fazer a cirurgia e ganhar uma nova vida.

“Eu vivia dentro do hospital. Passava entre 15 e 20 dias internada e só pedia a Deus mais um dia de vida, que Ele transformou, com o transplante, em uma nova vida”, comemora. Foi depois do transplante que Vera Lúcia decidiu se dedicar à profissão – que passou a gostar e achar que tinha dom durante o tratamento -, conheceu o atual marido, casou e começou a promover mudanças em alguns planos anteriores. “Sempre gostei de crianças, mas não fazia planos para ter filhos e não conseguia me ver como mãe”, conta, completando que depois do transplante, mudou. “Ele veio para me completar e para que eu pudesse viver todos os momentos e etapas da vida, compensando tantos momentos de vida que perdi durante a doença”.

Homenagem

De acordo com Jorge Bastos, Vera Lúcia foi submetida ao transplante de fígado quando seu estado de saúde era muito precário e estava bastante debilitada. A cirurgia foi um sucesso e ela passou a ter uma vida normal. A gravidez exigiu vigilância constante, não só do ginecologista, mas também da equipe responsável pelo transplante. O cirurgião explica que durante uma gravidez podem acontecer alterações hepáticas, todas graves. “No caso de uma paciente transplantada, que faz uso de remédios imunossupressores, o risco para essas patologias é ainda maior. Além disso, os medicamentos poderiam causar problemas no feto”, conta o cirurgião.

O médico conta que as doses da medicação foram reduzidas ao mínimo possível e a gravidez ocorreu sem qualquer intercorrência. O bebê nasceu de parto cesariano, sem apresentar qualquer problema de saúde e foi batizado como Jorge, “nome que para mim tem um significado muito grande”, diz Vera Lúcia. Como única restrição nesse período pós-parto, a técnica de enfermagem e o cirurgião mencionam a impossibilidade de amamentar, para evitar que a medicação tomada pela mãe seja absorvida pelo bebê.